Nesta análise, destacamos o crescimento dos podcasts brasileiros, mostramos como construir uma estratégia para podcasts, os tipos de conteúdo que vão bem nos podcasts jornalísticos e alguns entraves internos e externos para que essa estratégia dê certo.

A história do podcast, formato em grande parte responsável pelo atual boom do áudio, é também a história de uma antiga mídia em evolução – o rádio. Talvez hoje seja fácil escrever isso, mas em 2005 a revista Wired chegou a publicar uma capa sugerindo o fim do rádio, mirando para a quase onipresença da internet.

Só pra vocês terem uma ideia, um estudo da agência Volt Data Lab divulgado esta semana mostrou que a produção de podcasts no Brasil disparou na última década e meia e, mantida a tendência internacional, deve continuar em crescimento nos próximos anos. Segundo Sérgio Spagnuolo e Lucas Gelape,

“No total, a produção dos 100 principais podcasts brasileiros cresceu em 200 vezes desde 2005, chegando a mais de 3.400 episódios publicados em 2018. Em comparação, os 100 principais podcasts nos EUA produziram cerca de 5.800 episódios no mesmo ano”.

Com foco no perfil dos brasileiros que usam a mídia podcast, a empresa Cuponation, integrante da alemã Global Savings Groups, reuniu as principais informações sobre como a plataforma está se saindo no Brasil em 2019. Veja alguns dados (clique na imagem para ver todas as informações):

Em outra pesquisa publicada recentemente pelo Reuters Institute, Aura Lindeburg analisou como as emissoras e jornais estão usando os podcasts em suas estratégias. Ela entrevistou editores de empresas públicas e privadas do Reino Unido, Austrália, Alemanha e Suécia e analisou o conteúdo de 100 programas de podcast mais populares em cada país.

Para ela, o podcast desenvolveu uma estética própria e se diferencia do rádio de algumas maneiras: “é mais interativo e participativo, compartilhável, assíncrono, reprodutível, pesquisável, customizável, descontínuo, hipertextual, não linear, convergente e on-demand”. 

Como construir uma estratégia para podcasts

Segundo Lindeburg, algumas boas práticas podem fazer diferença quando um veículo jornalístico decide investir em podcasts:

  • Primeiro e mais importante: comece com um ótimo conteúdo. Não importa quão boa é sua estratégia de podcasts se as pessoas não continuarem no segundo episódio, ou mesmo se não terminarem o primeiro.
  • Tenha alguém para ajudar a audiência a encontrar seu conteúdo. Lindeburg cita o caso do ABC Audio Studios, que tem um  editor digital e de engajamento. O trabalho do profissional é buscar audiências de nicho e certificar-se de que o conteúdo é promovido para o público em uma estratégia de “guerrilha”.
  • Encontre maneiras de produzir outro conteúdo ao redor. O problema do áudio em um mundo digital é o baixo compartilhamento em comparação com o vídeo. Uma opção para promover conteúdo de áudio nas redes sociais é os ‘audiograms’ (vídeos curtos ou imagens fixas com áudio) ou vídeos curtos para destacar episódios. Não esqueça de fazer marketing tradicional, ou seja, enviar releases para a imprensa e informar outros meios de comunicação sobre o seu trabalho.
  • Podcast para promoção cruzada é fundamental. Use em outros programas. Algumas empresas até cruzam a promoção dos programas de cada um – mas é preciso avaliar a pertinência editorial.

Tipos de conteúdo que vão bem nos podcasts jornalísticos

Lindeburg cita o Digital News Report deste ano, que analisou as razões pelas quais as pessoas ouvem podcasts. 46% dos entrevistados responderam que querem se atualizar sobre assuntos de interesse pessoal e 39% que querem aprender algo novo. Outras motivações incluem preencher o tempo ocioso e ser uma alternativa ao conteúdo musical.

Com base nas entrevistas, ela elencou alguns assuntos que vão bem nos podcasts jornalísticos:

  • Notícias explicativas: Os ‘explainers’ são focados nas notícias diárias e tentam explicar algumas delas em profundidade. A duração é geralmente de 20 a 30 minutos. Christian Bennett, do The Guardian, avalia que o podcast Today in Focus vai particularmente bem com um público mais jovem, porque o objetivo é fazer programas que podem ser compreendidos mesmo se você nunca ouviu falar de um determinado assunto. Aqui no Brasil, podemos incluir nesse tipo de conteúdo o Café da Manhã, da Folha de S. Paulo, o Durma com Essa, do Nexo, entre outros.
  • Crimes: É um dos formatos mais populares de podcasts, segundo as entrevistas que Lindeburg conduziu. Segundo ela, esses tipos de podcasts são envolventes e consumidos no “modo compulsivo” conforme o mistério se revela. Alguns veículos disseram que também têm sido uma excelente maneira de atrair mais mulheres ouvintes. No Brasil, o Projeto Humanos fez uma série de podcasts super interessantes sobre o caso Evandro, que se encaixa bem nesta categoria de conteúdo.
  • Atemporais e baseado em personagens: São conteúdos que as pessoas podem ouvir a qualquer momento. Um exemplo é o That Peter Crouch Podcast, da BBC, que é basicamente uma conversa entre um jornalista esportivo e um jogador de futebol falando sobre a vida no esporte. O podcast Presidente da Semana, da Folha, e também o Histórias que ninguém te conta, da Agência Pública, são alguns exemplos brasileiros.

Entraves internos e externos

Nem tudo são flores no mundo dos podcasts. Lindeburg destaca alguns problemas dentro e fora das organizações jornalísticas, que acabam impedindo o crescimento mais orgânico e rápido dos podcasts. 

Problemas Internos:

  • Jornalistas ainda vivem na era do rádio (e não entendem a diferença entre o rádio linear e o podcast).
  • Muitas ideias, mas muito pouco tempo e dinheiro (a capacidade de produção é limitada).
  • Tudo muda de maneira lenta (há burocracia na disponibilização de recursos e estrutura).
  • Especialmente nos jornais, os profissionais não têm experiência com áudio (fazer podcasts significa aprender uma nova habilidade, o que nem sempre é fácil).
  • É difícil fazer um conteúdo de qualidade (a produção é trabalhosa e os velhos truques do rádio nem sempre funcionam com os podcasts).

Problemas Externos:

  • É difícil distribuir podcasts e dar atenção ao marketing (é preciso explicar para as pessoas como usar os produtos, e muitas vezes as plataformas de podcast são confusas).
  • Encontrabilidade (é um problema-chave central para o mercado, mas ainda mais para veículos sem tradição de publicação de áudios).

Podcasts na NFJ

Podcasts foram assunto na newsletter do Farol diversas vezes. Relembre:

  • Na NFJ #189 falamos sobre o lançamento do aplicativo de podcast para Android, e indicamos uma análise do Nieman Lab.
  • Na NFJ #201 destacamos alguns podcasts criados durante as eleições de 2018.
  • Na NFJ #226 indicamos uma entrevista com Rodrigo Vizeu e Magê Flores, em que falam sobre o podcast Café da Manhã; e falamos sobre o lançamento do Picardia, “um street podcast sobre assuntos bicudos”.
  • Na NFJ #232 mostramos os principais destaques da Maratona Piauí CBN de podcasts
  • Na NFJ #238 trouxemos uma discussão sobre o formato dos podcasts brasileiros, com argumentos críticos e de defesa.
  • E não esqueça de ouvir a primeira, única e curta de temporada do podcast do Farol Jornalismo, o NFJ Café, publicado lááá em 2016.