Isso vai além da compreensão de que notícias são essencialmente o que devemos saber, certo? Relatório encomendado pelo Reuters Institute à consultoria Flamingo mostra que, além dessa desconexão conceitual, os jovens têm um consumo individualista das notícias, que é feito majoritariamente pelas redes sociais.

A formação de novos públicos consumidores de notícia parece estar no centro das preocupações dos veículos jornalísticos em todo o mundo. E quando se fala no público jovem a atenção é ainda maior: afinal, entender seus hábitos de consumo é fundamental para garantir a própria sobrevivência do jornalismo nas próximas décadas.

Por isso, nesta análise vamos contar as principais descobertas do relatório “How young people consume news and the implications for mainstream media” (“Como o público jovem consome notícias e as implicações para a mídia tradicional”), encomendado pelo Reuters Institute à empresa de consultoria Flamingo.

A pesquisa trabalhou com 20 pessoas entre 18 e 35 anos, metade nos EUA e metade no Reino Unido. A consultoria Flamingo rastreou o comportamento dos smartphones desses jovens por duas semanas, solicitou um “diário digital” sobre o uso de notícias e fez entrevistas individuais em casa de 90 minutos e depois entrevistadas em trios de 60 minutos, o que permitiu a exploração do lado social das notícias em um ambiente de grupo.

Os jovens ainda querem notícias para se conectar ao mundo e para atender a uma variedade de necessidades sociais e pessoais diferentes, mas não veem necessariamente a mídia tradicional como a melhor ou a única maneira de fazer isso. Diz o relatório:

“A mídia noticiosa agora está competindo por atenção com inúmeras outras distrações, e há um alto nível de exposição indireta às notícias (por meio de mídias sociais, outras conversas on-line, documentários e programas de TV etc.). Eles não precisam procurar, as notícias chegam. Por fim, grande parte da empolgação dos jovens está em espaços como infotainment, estilo de vida, cultura, popular, blogueiros e vloggers”.

Tudo isso significa que há uma desconexão

A mídia noticiosa tradicional não parece mais tão relevante ou dominante quando se trata de conteúdo de notícias. A forma como os veículos e os jovens veem o papel e o valor das notícias é diferente:

  • As mídias tradicionais veem as notícias como: o que você deve saber.
  • O público jovem vê as notícias como: o que você deve saber (até certo ponto), mas também o que é útil saber, o que é interessante saber e o que é divertido saber.

E ainda há um tom individualista nesse consumo, ou seja, eles querem saber o que as notícias podem fazer por eles como indivíduos – e não pela sociedade como um todo. 

Instagram em alta, apps de notícia em baixa

Nos 20 telefones dos jovens pesquisados, o Instagram era o aplicativo principal. Já os apps de notícias, em comparação, receberam muito menos uso. Com exceção do Reddit, nenhum estava entre os 25 principais aplicativos usados ​​pelos entrevistados. “Para duas das quatro pessoas que tinham o app da BBC no smartphone,este representou menos de 1% do tempo de uso dos dois jovens”, destaca esta matéria do Nieman Lab, que repercutiu o relatório.

Na imagem abaixo é perceptível a discrepância de uso entre os apps de redes sociais e os de notícias:

Um dos impedimentos para esse consumo tem a ver com a usabilidade dos aplicativos de notícia. No tuíte abaixo, Elana Zak, editora na CNN, enfatiza: “Se as organizações de notícia querem captar e reter novos usuários da geração Z, eles têm que ser melhores em tecnologia. Apps e sites de notícia ainda não são suficientemente intuitivos. Geração Z está acostumada com Netflix. Qual foi a última vez que você foi deslogado do Netflix? Faça a comparação com um site de notícias”.

Os pesquisadores também identificaram quatro tipos de jovens consumidores de notícias:

  • Consumidores de notícias por herança: Eles fazem um esforço conjunto para pelo menos consumir algumas das mesmas organizações de notícias tradicionais que cresceram vendo, embora nem sempre tenham tempo para consumir notícias.
  • Consumidores de notícias passivos: As pessoas deste grupo simplesmente não estão interessadas o suficiente para ter qualquer tipo de relacionamento regular com as mídias noticiosas. Em vez disso, eles permanecem informados por osmose coletiva de suas experiências online e offline, e dedicam pouco ou nenhum tempo a se envolver ativamente com as notícias. Quando algo desperta interesse, eles o pesquisam diretamente e se importam menos com a marca que escolhem. 
  • Consumidores de notícias devotos: Os dedicados têm o maior envolvimento com aplicativos de notícias; eles agendam um horário durante o dia para ler notícias e têm um compromisso habitual e rotineiro com a mídia de sua preferência.
  • Consumidores de notícias proativos: Concentram-se em organizar seus feeds e podem navegar por diversos veículos, em vez de se dedicarem um em particular. A atitude deles é de curadores de notícias.

O que dizem os jovens

Selecionei duas falas retiradas das entrevistas, que nos dão uma boa dimensão das características do consumo de notícias:

“Eu diria que meu tipo favorito de notícias são vídeos como os da Vice ou News Tonight, que rapidamente lhe dão uma visão rápida e uma compreensão instantânea de um monte de diferentes coisas, em vez de ter que ler um artigo por 10 minutos”. (Maggie, 21-24, US)

“Acho que às vezes gosto de me sentir um pouco empoderada ou inspirada. Então, eu acho que [gosto] de histórias humanas incríveis, de bem-estar, que ajudam a se sentir melhor”. (Anna, 21-24, UK)

Insights para a indústria

Ao final, o relatório traz alguns insights que podem ser seguidos pelos veículos jornalísticos que querem alcançar o público jovem:

  1. A relevância do agendamento de notícias para públicos mais jovens: quanto mais a agenda é amplamente relevante, mas o que domina as manchetes parece repetitivo. Ou seja,  tem ocorrido nos últimos anos um sentimento de cobertura infindável dos mesmos tópicos, relatados da mesma maneira.
  2. Negatividade e as notícias: há a percepção geral de que as organizações jornalísticas estão exagerando no lado negativo das notícias.
  3. Opiniões nas notícias: os jovens querem opiniões genuínas e interpretações não politizadas.
  4. O tom das notícias: em geral, o tom pode às vezes ser excessivamente sério, institucional, seco e técnico para pessoas mais jovens.
  5. Formatos: o comportamento dos veículos em seus próprios sites ou em sites terceiros nem sempre está alinhado com o conteúdo, formato e estilo de como os usuários interagem com cada plataforma específica.
  6. O estado de confiança nas notícias: fake news não são um problema para os jovens. São vistas mais como um incômodo do que um colapso democrático.
  7. A sensação de que existe uma enorme quantidade de notícias: para os jovens, ler todas as notícias pode parecer uma tarefa árdua.

O relatório aponta que, mesmo que a mídia tradicional adote as sugestões, não há garantia de sucesso.

“Nosso trabalho de segmentação sugere que uma proporção significativa de jovens nos EUA e no Reino Unido será difícil de envolver, devido ao seu baixo interesse em notícias. Criar lealdade à marca com esses grupos mais “passivos” será difícil, embora seja possível que eles se tornem mais engajados à medida que assumem maior responsabilidade e entram em um estágio de vida diferente”. 

No entanto, há otimismo com os grupos “devotos de notícias”, os “consumidores por herança”, e até certo ponto os “pró-ativos”, pois a eles podem ser oferecidas mais oportunidades de conexão direta com as notícias, além de um acesso contínuo ao longo do dia.