Nesta análise, retomamos muitas discussões sobre a crise do jornalismo local, apresentamos recente pesquisa que analisou 300 mil posts de veículos norte-americanos e compartilhamos a análise de James Fallows, para quem a estrutura de propriedade das organizações de notícias pode ser tão importante para a sobrevivência dos negócios quanto as mudanças na publicidade digital.
Não é novidade que a emergência das plataformas e o duopólio Facebook/ Google na publicidade digital agravou a crise dos jornais locais. Como se sustentar financeiramente virou um imperativo diante da queda na circulação dos jornais impressos e da necessidade de informação de qualidade sobre o que acontece do nosso lado e nos afeta diretamente.
Na NFJ #196, trouxemos um artigo de Margaret Sullivan, colunista do Washington Post, em que ela afirma que a crise dos jornais locais está destruindo a possibilidade de consenso (“common ground”).
“Um problema de perder a cobertura local é que nunca sabemos o que não sabemos. A corrupção pode florescer, os impostos podem aumentar, os funcionários públicos podem satisfazer seus piores impulsos. E há outro resultado que recebe menos atenção: em nossa nação terrivelmente dividida, precisamos que o jornal local nos forneça informações comuns – um conjunto de fatos aceitos para discutir”.
Neste sentido, o Facebook tem feito especial esforço para financiar o jornalismo local em diversos países. Serão US$ 300 milhões nos próximos 3 anos para notícias, com ênfase no jornalismo local. E quais são as consequências dessa aproximação entre plataformas e veículos jornalísticos? Para o jornalista e escritor James Ball, empresas de tecnologia não devem financiar o jornalismo, sob risco de perda de independência (editorial e financeira). Falamos sobre isso na NFJ #218.
“Esta é uma das fraquezas fundamentais da proposta de uma imposição entre big tech e jornalismo: trata a mídia como uma exceção, um caso raro de interação entre o disruptor e o disruptado. Se nos concentrarmos em nossa própria indústria, corremos o risco de criar a impressão que estamos agindo em causa própria enquanto todos os outros simplesmente têm que lidar com isso. (…) Precisamos encontrar um modelo sustentável para o jornalismo de qualidade. E para conseguir isso, nós realmente deveríamos tentar manter essas conversas separadas”.
Também na NFJ #224 informamos que a BBC lançou uma nova instituição para financiar reportagens locais na Grã-Bretanha, a Fundação da Democracia Local (Local Democracy Foundation). De acordo com o site, atualmente 144 repórteres foram alocados em organizações de notícias na Inglaterra, Escócia e País de Gales.
E novamente surge a preocupação quanto à independência. Rasmus Nielsen, diretor do Reuters Institute, comentou a iniciativa: “Como sempre em ideias como essa, as questões-chave são (a) de quanto é o financiamento (e de quem), (b) o que + quem será elegível para o apoio, (c) quem decide quem recebe o quê e (d) como garantir a independência editorial e a responsabilidade ao mesmo tempo?”.
Fato é que a indústria de notícias locais está em crise em diversas partes do mundo. Esta matéria da Folha repercutiu estudo feito nos EUA, que conclui que jornais locais americanos correm risco de extinção. “Mais de 1.400 cidades do país perderam algum periódico nos últimos 15 anos, segundo dados de um levantamento feito pela agência de notícias Associated Press compilados pela Universidade da Carolina do Norte”. Segundo a pesquisa, a queda na receita se deve à concorrência com veículos digitais, cortes de custos, diminuição na qualidade e desinteresse dos leitores.
Aqui no Brasil também temos os nossos desertos de notícias locais. Vale relembrar a pesquisa do Atlas da Notícia: mais de 50 milhões de pessoas vivem em cidades sem emissoras locais de rádio ou televisão, o que representa 25% da população do país (repercutimos na NFJ #191) e 70 milhões vivem em áreas sem a presença de um jornal impresso ou de um site de notícias local (NFJ #163). E daqui a alguns meses teremos dados novos, pois a terceira etapa do Atlas está em andamento.
Pesquisa analisa mais de 300 mil posts de jornais locais
Uma das iniciativas do Facebook para dar mais visibilidade ao jornalismo local é o Today In, recurso disponível em 6.000 cidades dos Estados Unidos, que exibe conteúdos de veículos jornalísticos de determinadas comunidades. Pesquisa divulgada esta semana fez uma análise de 300 mil posts da aba Today In, cujos dados foram disponibilizados pelo Facebook, e teve descobertas interessantes:
- Os pesquisadores das universidades de Minessota e Duke estavam particularmente interessados no quanto as notícias locais disponíveis no Facebook atendiam a uma “necessidade crítica de informações”, ou seja, até que ponto as notícias locais estão servindo a um cidadão informado. Segundo os autores, isso ocorre geralmente, embora os dados de interação mostrem que pode haver demanda por mais conteúdo desse tipo.
- 59% dos posts atendiam a uma necessidade crítica de informações. Emergências (28%) foi a necessidade de informações críticas mais comuns atendida por notícias locais no grupo categorizado. Outros 31% das histórias eram de Esportes e 9% Obituários. Os pesquisadores ressaltam que a diversidade de notícias locais disponíveis no Today In é limitada pelos tipos de notícias que os veículos escolhem postar e também depende da seleção do algoritmo entre as histórias disponíveis.
- Há mais engajamento da audiência em histórias sobre emergências, transporte e saúde. Também há disposição por parte dos usuários por histórias que atendam a necessidades críticas de informações – posts sobre esportes e morte são clicadas com menos frequência.
- Surpreendentemente, a pesquisa descobriu que as histórias políticas locais geravam os níveis mais baixos de engajamento. “Se interpretarmos o engajamento como um indicador de demanda, essa descoberta é um pouco desanimadora”, afirmaram, neste texto para o Nieman Lab.
Veja mais no gráfico abaixo:
Há esperança para o jornalismo local
Neste artigo para a The Atlantic, James Fallows parte da visão convencional sobre a crise do jornalismo local – a de que ele não é mais um negócio viável, depois que a publicidade digital reduziu as receitas – para afirmar: o que “todo mundo sabe” sobre a principal fonte do problema pode estar errado ou enganoso o suficiente para desviar a atenção de uma possível solução.
Segundo ele, algumas das recentes histórias de sucesso sugerem que a estrutura de propriedade das organizações de notícias locais pode ser tão importante quanto as mudanças na publicidade na era da Internet, para determinar quais organizações sobrevivem e quais acabam.
Fallows cita como exemplo o jornal local norte-americano Provincetown Advocate, de 1869. Em 2000, foi comprado pela Provincetown Banner e em 2008, a Banner foi vendida para o grupo GateHouse Media Inc. Trata-se, segundo Fallows, de uma tendência. “Para essas instituições, os jornais são um ativo financeiro como qualquer outro – como um setor imobiliário comercial, como uma usina siderúrgica ou um shopping”.
Fallows observa que o modelo de maximização de lucro que esses grupos aplicaram a inúmeros jornais locais foi: reduzir custos, principalmente demitindo repórteres e editores, de modo a aumentar as taxas de lucro a curto prazo; continuar com os cortes para manter as margens de lucro, mesmo quando o jornal atrai menos leitores e anúncios; e quando não há mais nada a fazer, declaram falência ou fecham o jornal.
Ed Miller, empresário que trabalhou como editor na Banner, disse à Fallows:
“Quando as pessoas pensam sobre a propriedade desses grupos, pensam que o problema é que a empresa está lhe dizendo o que escrever. O fato é que eles não poderiam se importar menos com o que você escreve. O único interesse deles é quanto lucro você pode extrair da operação; portanto, a maneira como eles realmente prejudicam a divulgação de notícias é simplesmente demitindo funcionários. Os cortes tornam o trabalho tão esmagadoramente difícil de fazer que não há possibilidade de você ter uma cobertura séria de notícias ou investigar as histórias que precisam ser desenterradas”.
Em julho deste ano, Miller saiu do Banner e, junto com sua esposa, Teresa Parker, publicaram a primeira edição impressa de um novo jornal semanal, The Provincetown Independent, destinado a leitores, anunciantes e cidadãos das cidades de Cape Cod.
O plano de negócios do novo jornal é baseado em uma projeção de quatro anos de rentabilidade, momento em que o jornal teria circulação paga total de 6.000 exemplares por semana e 19 funcionários em período integral. Fallows explica que, até agora, Miller e Parker levantaram pouco mais da metade do capital que precisam. “A operação sem fins lucrativos aumentou três vezes mais que a meta original. Esse dinheiro será usado em projetos especiais – treinamento de jovens jornalistas, apoio a esforços de investigação, projetos de longo prazo sobre temas importantes para a comunidade”, escreve Fallows.
Para Miller, apesar de toda a mudança tecnológica e comercial no setor de notícias, o básico dos negócios é que as pessoas adoram jornais locais. “Se você puder fornecer algo que eles desejam, especialmente informações que não podem encontrar em nenhum outro lugar, eles serão leais a você”, conclui.