Com projeção de representar 36% da receita das organizações jornalísticas até 2021, a publicidade nativa já está integrada ao modelo de negócios do jornalismo. Nesta análise, discutimos as vantagens e desvantagens desta estratégia de publicidade, a partir de estudos científicos e exemplos práticos.

Conteúdo patrocinado, publicidade nativa, native advertising, branded content. As várias nomenclaturas dizem respeito a uma forma de mídia paga em que o conteúdo comercial é entregue dentro do design e forma do conteúdo editorial. Trata-se de uma prática típica do meio digital (embora tenha suas raízes nos publieditoriais do impresso), em que o veículo jornalístico empresta credibilidade para aumentar o valor do anúncio criado para os clientes. O conteúdo é pensado de maneira “nativa” para cada plataforma e tende a gerar um engajamento maior do que a publicidade display (os invasivos banners).

De acordo com pesquisa da Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias (WAN-IFRA), a publicidade nativa já está integrada ao modelo de negócios das organizações de notícias. Em 2017, terceiro ano avaliado pelo estudo, o conteúdo patrocinado representou 20% (acima dos 18% registrados em 2016 e dos 11%, de 2015) do faturamento com anúncios das empresas de comunicação. E a expectativa de veículos presentes em 53 países é a de que o percentual suba a 36% até 2021.

Com base neste recente relatório do Tow Center da Universidade de Columbia, neste estudo do American Press Institute publicado em 2013 e nos artigos científicos de Bartosz W. Wojdynski (Universidade de Georgia, EUA) e de Frédéric Aubrun (Université Lumière – Lyon 2) e Myrian del Vecchio-Lima (Universidade Federal do Paraná), vamos analisar os benefícios e as contradições deste modelo de geração de receita para o jornalismo. 

Bartosz W. Wojdynski fez um experimento com 343 pessoas e chegou à conclusão de que a publicidade nativa engana e decepciona os leitores. O reconhecimento do anúncio por parte do público – a partir de características como destaque visual, texto e presença de logomarca – levou a uma diminuição da percepção de qualidade e da intenção de compartilhar o conteúdo.

Citando o estudo de Wojdynski, Ava Sirrah, do Tow Center, afirma que a publicidade nativa foi feita para enganar leitores e jornalistas sabem disso. Por meio de entrevistas com jornalistas de diversos veículos e publicitários, Sirrah concluiu que:

  • Anúncios nativos tomam emprestado a credibilidade e a autoridade dos publishers. Um ex-funcionário do T Brand Studio, a divisão de conteúdo de marca do New York Times, disse que o estúdio tenta criar anúncios nativos que são “Times-ian”. Essa noção – criar conteúdo com o mesmo tom de uma matéria jornalística – foi repetida em várias ocasiões por pessoas de diferentes veículos.
  • As marcas têm um poder de negociação significativo. Os publishers competem entre si pela receita de publicidade e isso dá aos profissionais de marketing uma vantagem quando negociam os termos de uma campanha nativa. Uma frase surgiu em mais da metade das entrevistas com pessoas que trabalham em estúdios de conteúdo de marca: os clientes sempre pedem algo que “nunca foi feito”. A demanda por novidade força as organizações de notícias a apresentar campanhas alinhadas com o que os jornalistas estão produzindo, porque outros canais de marketing não podem oferecer a seus clientes essa associação. Vender parcerias com jornalistas já foi considerado antiético no passado. Parcerias que não seriam possíveis em 2012 agora estão se tornando uma prática. 
  • Transparência é apenas parte da solução. É necessário regulamentar o gerenciamento de como os publishers trabalham com as marcas. Caso contrário, os anunciantes podem continuar colocando os veículos um contra o outro, sacrificando a qualidade da cobertura noticiosa. Um funcionário que trabalhou no estúdio de conteúdo de marca do The Atlantic disse que “os publishers trabalham ativamente com marcas antitéticas à sua missão”, citando uma parceria entre a revista e a Igreja Cientologia. 

Esse exemplo do The Atlantic ficou conhecido como um case negativo de branded content. Falei sobre ele neste texto para o Objethos. Em 2013, eles criaram um conteúdo patrocinado de página inteira para a Igreja da Cientologia, e tiveram que retirar do ar 24 horas depois devido à controvérsia e pressão pública. Os editores pediram desculpas e admitiram o erro. “Desde então, o The Atlantic atualizou suas regras e diretrizes e fez um bom trabalho ao distinguir o conteúdo editorial do patrocinado”, afirma Mia Čomić neste artigo.

Prova dessa mudança é o Re:think, projeto que ganhou o prêmio da Adweeks 2018 na categoria Branded Content. Trata-se de um estúdio dentro do The Atlantic que produz documentários, podcasts, revistas e artigos sobre temas como “a ética da inteligência artificial” (documentário feito para a Hewlett Packard Enterprise).

Pontos positivos

O estudo do American Press Institute elenca as vantagens do conteúdo patrocinado:

  • Encaixa com as notícias

Os consumidores operam de dois modos diferentes em momentos diferentes. Um modo envolve interação e conversação. O outro se chama modo de compra de resposta direta. Leitores de notícias tendem a estar no modo de interação e conversação e, portanto, o conteúdo patrocinado faz mais sentido para alcançá-los do que os anúncios focados em venda.

  • Resolve os problemas atuais das marcas

Na era do “conteúdo de marca 1.0”, empresas aprenderam a criar seus próprios sites e publicar conteúdo. Mas logo perceberam que ninguém as encontrava lá. O “conteúdo de marca 2.0” trabalha com os publishers para criar e distribuir as mensagens da marca onde as pessoas estão. Aqui entra também o storytelling, já que as empresas são cada vez mais impulsionadas por missões únicas e têm histórias para contar, não apenas um produto para vender. O conteúdo patrocinado é extremamente eficaz para isso.

  • Funciona para telas pequenas e móveis

A publicidade nativa é uma “bala de prata” para a receita móvel. É muito mais eficaz em telas pequenas, onde os anúncios próximos ao conteúdo não ficam suficientemente visíveis. Neste formato, os anúncios fazem parte do conteúdo.

  • Valor premium exclusivo

Ao invés de buscar impressões e cliques, como os anúncios digitais tradicionais, o conteúdo patrocinado aproveita o valor exclusivo do relacionamento de uma marca com seu público.

Conteúdo patrocinado no Brasil

Frédéric Aubrun e Myrian del Vecchio-Lima destacam que, no Brasil, as primeiras publicações que adotaram o modelo foram a revista online de economia Exame.com e Info Online, do Grupo Abril, em 2013. O conteúdo era produzido pela equipe de projetos especiais de marketing, por meio de uma seção especializada em publicidade nativa formada por jornalistas. Hoje, grandes veículos como UOL seguem a tendência mundial e têm seus estúdios de branded content.

Veículos brasileiros também têm adotado um formato de conteúdo patrocinado feito por empresas como a Outbrain. São áreas de destaque nas homepages dos sites jornalísticos, que levam a conteúdos extremamente duvidosos. Neste outro texto para o Objethos, a partir da observação dos sites da Gaúcha ZH, O Globo e Diário Catarinense, concluí que os destaques da Outbrain têm o que chamamos de clickbait – todo tipo de chamada com viés atrativo e mercadológico, com o intuito de gerar uma proporção ou quantidade maior de cliques. 

Embora de qualidade duvidosa, trata-se de um mercado em expansão: recentemente, a Outbrain e a Taboola, antigas rivais, estão formando uma única empresa. Segundo esta matéria da Techcrunch, o objetivo é “aumentar a lista de clientes que agora conta com 20.000 sites online e uma audiência de 2,6 bilhões para competir melhor contra empresas como Facebook e Google, gigantes da publicidade online que apresentam a maior ameaça competitiva para as startups da adtech e para os publishers que são clientes da Taboola e da Outbrain”.

Limites éticos

O estudo do Tow Center concluiu que a maioria dos entrevistados defenderam os conteúdos patrocinados criados dentro dos estúdios de branded content. Quase todos disseram que os anúncios nativos agregam valor aos leitores ou pelo menos esse é o objetivo desse tipo de marketing. 

“Burrell-Stinson, do Washington Post, disse que há uma missão compartilhada entre a redação e os produtores de conteúdo de marca: ‘O melhor conteúdo é o que parece uma boa narrativa. As pessoas que vêm de redações reais trazem talento e autoridade para isso’. Segundo ela, a contratação de jornalistas permite que estúdios de conteúdo de marca mostrem que podem produzir um trabalho tão atraente quanto o que sai das redações”.

Ava Sirrah questiona, a partir da fala de Burrell-Stinson: o muro entre repórteres e anunciantes ainda é resistente? De acordo com os entrevistados, grandes histórias podem ser contadas em ambos os lados do muro. Quando perguntadas sobre considerações éticas, explica Sirrah, os jornalistas afirmavam firmemente que o objetivo final do conteúdo de marca é semelhante ao de uma redação – produzir histórias atraentes. “Os atuais produtores de conteúdo de marca não parecem rejeitar preocupações éticas, eles simplesmente não acham que o conteúdo comercial ameaça a independência da redação”, diz Sirrah.

Embora se pareçam com os antigos publieditoriais, a maneira como a publicidade digital nativa está sendo feita é sem precedentes. Sirrah destaca a fala de um editor sênior da Digiday: “A diferença entre um publieditorial e um nativo está no conteúdo. Os editores estão formando equipes de serviços criativos [o Atlantic tem uma equipe de 15; o BuzzFeed tem quase 20] para ajudar as marcas a criarem conteúdo que se encaixe na voz do canal, o que não acontece no caso dos publieditoriais”.

Sirrah elenca mais diferenças: os publieditoriais não são escritos pelos publishers; os clientes ou suas agências de publicidade fornecem ao veículo jornalístico texto e imagens. Para ela, os anúncios nativos são diferentes porque são produzidos dentro das paredes de um veículo jornalístico do início ao fim. 

“Quando a voz de um anunciante imita a voz autorizada e confiável dos jornalistas, fica claro que algo novo está acontecendo. Pesquisas mostram que os leitores constantemente confundem anúncios nativos com notícias. Também vimos que é difícil aplicar a regulamentação do rótulo do conteúdo comercial. Embora essas descobertas possam criar um futuro sombrio para as notícias, elas também oferecem aos leitores uma oportunidade única de exigir mais transparência dos meios de comunicação. Se um número suficiente de leitores expressar suas preocupações com o conteúdo de marca, os veículos de notícias terão que responder”.

No entanto, esperar que os leitores reclamem não parece ser uma solução muito efetiva. Embora cada veículo tenha regras mínimas de transparência, uma regulamentação mais clara pode contribuir para qualificar a discussão e apontar saídas que protejam, principalmente, a credibilidade dos publishers.