O estudo do International Center for Journalists entrevistou jornalistas de 149 países, incluindo o Brasil. Entre os resultados, um ponto de atenção: as redações ainda não estão investindo suficientemente em profissionais de tecnologia ou em treinamento adequado para seus jornalistas.

Jornalistas do Brasil e de mais 148 países foram entrevistados para a edição 2019 do The State of Technology in Global Newsrooms, conduzido pelo International Center for Journalists (ICFJ), nos mesmos moldes do estudo de 2017. O questionário online foi respondido por 4.111 profissionais, de fevereiro a maio deste ano. Dados fresquinhos, portanto.

Vamos a eles? Há coisas bem interessantes. Sistematizei e traduzi as principais conclusões. De maneira geral, o relatório mostra que jornalistas de todo o mundo estão usando as tecnologias digitais para enfrentar questões muito desafiadoras, como a desinformação e o crescimento de ataques a repórteres. O uso de ferramentas de fact-checking e verificação nas redes sociais está em alta, enquanto muitas redações estão aumentando a segurança de suas comunicações para proteger jornalistas e fontes. Há ainda o crescente uso de novas técnicas e plataformas para melhor engajar a audiência – e conquistar sua confiança.

Organizações de notícia tradicionais estão se transformando em redações híbridas, ao passo que abraçam as plataformas digitais. Jornalismo de dados está em alta. Pequenos veículos, sendo a maior parte deles digitais, agora são maioria. Novas startups digitais de notícia estão surgindo em sete das oito regiões globais da pesquisa. 

As redações estão diversificando suas fontes de receita. A publicidade não é mais a principal delas para mais da metade dos veículos entrevistados. Receitas de assinaturas e membership ainda são baixas, mas a maioria dos gestores espera que cresçam pelo menos cinco vezes num futuro próximo.

As mulheres estão ocupando, mais do que nunca, um espaço cada vez mais forte nas redações. Elas representam metade das posições gerenciais em quatro regiões: Eurásia/ex-URSS, América do Norte, Europa e América Latina. 

Para terminar essa visão geral da pesquisa, alguns pontos de atenção: as redações ainda não estão investindo suficientemente em profissionais de tecnologia ou em treinamento adequado para os jornalistas.

Vejam as principais tendências:

1. Os desafios

Mais de dois terços dos jornalistas estão protegendo suas comunicações – um aumento significativo se comparado a 2017, quando menos da metade utilizava técnicas de cibersegurança. 44% das redações e 37% dos jornalistas se engajaram em atividades específicas de fact-checking durante o ano passado. Um quarto dos jornalistas e um terço dos gestores utilizam semanalmente ferramentas de verificação em mídias sociais.

A maioria dos veículos está promovendo esforços para enfrentar a desinformação e construir confiança. Mas essa é uma preocupação que aparece mais nas respostas dos gestores do que na dos jornalistas. Para aumentar a confiança da audiência, editores estão destacando mais histórias de interesse público, citando mais fontes e deixando clara a separação entre notícia e opinião.

2. As organizações

Enquanto veículos que usam um híbrido de formatos tradicionais e digitais estão em alta, o crescimento de startups nativas digitais está estagnado. Esse é um dado surpreendente, segundo a pesquisa. Em sete das oito regiões, a porcentagem de redações “digital-only” caiu ou permaneceu a mesma desde 2017.

As únicas organizações que estão expandindo são as pequenas. Enquanto a maioria das redações continua demitindo profissionais, metade dos veículos com 25 ou menos pessoas aumentaram de tamanho nos últimos dois anos. A maioria deles é digital. Grande parte das redações é pequena. Mais da metade têm 10 ou menos profissionais full-time. Esses pequenos estão mais dispostos a cobrir notícias locais do que os grandes.

Governos e política dominam o noticiário, mas outros assuntos estão crescendo em atenção. Aproximadamente um terço dos jornalistas cobrem regularmente educação, saúde e economia. Veículos de rádio são os mais propensos a cobrir temas especializados. Um terço dos jornalistas diz que faz reportagens investigativas, sendo que 12% se identificam como repórteres investigativos.

3. As pessoas

Em quatro regiões do mundo, as mulheres estão tendo um progresso significativo nas redações. A maioria dos jornalistas na Europa e América do Norte são mulheres. Mas elas tendem a ter menos habilidades digitais do que os homens. Um quarto não tem nenhuma experiência digital quando são contratadas (entre os homens esse percentual é de 15%).

Os veículos não estão contratando mais especialistas em tecnologia. Eles representam somente 4% dos empregados das redações. Mais jornalistas estão sendo contratados com habilidades de criação de conteúdo digital, mas poucos têm experiência digital em cibersegurança e analytics, por exemplo. A porcentagem de jornalistas com experiência em vídeo digital aumentou 10% em relação a 2017. 21% dos empregados desempenham funções digitais, como editor de mídias sociais e produtor de conteúdo digital.

As redações estão enfrentando dificuldades para preencher alguns cargos, ao mesmo tempo em que jornalistas estão lutando para encontrar emprego. 55% dos gestores acham difícil recrutar e reter jornalistas. Freelancing tem mais prevalência à medida que mais jornalistas perdem seus empregos.

4. As ferramentas

A maioria dos jornalistas acredita que as ferramentas digitais transformaram muitos aspectos de seus trabalhos, na maioria das vezes para melhor. Profissionais especializados em dados são muito mais comum hoje do que há dois anos. O uso de aplicativos de mensagem teve um boom, ultrapassando inclusive o Twitter. 69% dos jornalistas engaja a audiência pelo menos semanalmente via mensagens instantâneas. Redações de todo o mundo conta com um mix de formatos para distribuir seus conteúdos.

Os jornalistas demandam mais treinamento avançado do que suas redações oferecem. A área de maior interesse é a de jornalismo de dados. E eles preferem treinamentos intensivos a cursos rápidos. Enquanto as redações oferecem mais treinamento em produção de vídeo e áudio, os jornalistas gostariam de saber mais sobre cibersegurança, podcasting, ferramentas de fact-checking e divulgação de conteúdo nas mídias sociais. O gap entre demanda e disponibilidade é maior quando o assunto é inteligência artificial: 42% dos jornalistas querem treinamento, mas só 5% das redações oferecem.

5. O negócio

Gestores não estão mais tão obcecados com pageviews como estavam há dois anos. Elas ainda são importantes, mas a confiança nesta e em outras métricas caiu. O uso de quase todas as métricas diminuiu, com exceção de uma: alcance (número de pessoas expostas a um conteúdo). 44% dos jornalistas consultam os softwares de analytics uma vez por dia (em 2017 eram 29%). Mas entre os editores seniores o uso caiu de 64% para 46%.

54% dos gestores disseram que a publicidade não é mais a maior fonte de receita. Eles estão confiando em contribuições filantrópicas, financiamento do governo, conteúdo patrocinado, assinaturas impressas, doações da audiência e assinaturas online/ memberships. Mais de um quarto dos gestores espera que as assinaturas digitais se tornem uma fonte de receita-chave no próximo ano.