Ora vistos como formato, ora como produto, fato é que os boletins informativos não são novos nem em conceito ou em características. E isso contribui muito para explicar por que dão certo.

Em nosso mergulho sobre newsletters, dedicamos as últimas cinco edições da NFJ (344-348) a uma viagem no tempo, alternando entre passado e presente. Descobrimos um artigo de 1963, uma edição especial de revista de 2000, um artigo de 2020, uma tese de 2021 e também compartilhamos as reflexões de um paper escrito por nós, os editores da NFJ. Um resumo deste compilado:

  • Há quase 60 anos, a newsletter era entregue por correio; já era considerada “um ramo na árvore de publicações” – ou seja, um produto; também servia como um “petisco” de informação e mostrava a essência do que mais interessa.
  • Ao falar de newsletters como tendência, é preciso olhar para o e-mail, uma tecnologia que, no início deste século, deu uma chacoalhada na relação entre jornalistas e audiências.
  • O pêndulo da newsletter: de precursora do jornal impresso à decretação de seu fim – com a “morte do e-mail” – e à nova ascensão, como fuga dos algoritmos das redes sociais.
  • A curadoria, que adquiriu um papel relevante no jornalismo do século XXI, tem semelhanças com a documentação, especialidade tradicional nas redações jornalísticas, que foi perdendo espaço com a crise do impresso. 
  • Como fazer curadoria? Explicamos o método da Newsletter Farol Jornalismo.

Jornalismo encapsulado

Vejam que interessante este artigo de 1963 (!) sobre newsletters e jornalismo. A reflexão de A. Kent MacDougall na Columbia Journalism Review trata sobre o que poderíamos chamar de primórdios das newsletters. MacDougall afirma que “um boletim informativo típico tem de quatro a oito páginas de itens curtos que prometem muitas informações para um mínimo de leitura, sem anúncios ou fotografias que distraiam”. 

Muitas semelhanças com as newsletters de hoje, né? Mas essas eram entregues aos assinantes por correio, normalmente não estavam disponíveis nas bancas e tinham avisos de que o material não poderia ser reproduzido. O valor das assinaturas anuais variava: de 1 dólar (para o “The Communist Viewpoint”) a US$ 963, para o “Daily Report for Executives”. Perceberam o alto grau de especialização, só pelo nome dos boletins? A maioria era publicada em Nova York e Washington, a circulação de algumas chegava a 150.000 exemplares e a periodicidade era, majoritariamente, semanal, bissemanal e mensal. 

Era um mercado em crescimento, que havia dobrado em cinco anos, mas MacDougall observa que, apesar do baixo custo de produção, a rotatividade era grande, já que muitos boletins falhavam em atrair novos assinantes, convencer os antigos a renovar e por falta de promoção adequada. “Cerca de 350 newsletters começarão este ano e 250 outras morrerão”, disse ele, à época. O autor chama os boletins de “petiscos” e os classifica como “um ramo na árvore de publicações” dos jornais, que fornece “comentários resumidos e, ocasionalmente, informações quentes privilegiadas”. 

Ele destaca que as newsletters atendiam a necessidades que as revistas não cumpriam: “resposta instantânea, julgamento rápido e previsões”. E vejam que, há quase 60 anos, numa era pré-internet comercial, já havia a ideia de excesso de informação. MacDougall reproduz o comentário de um gerente de vendas da General Electric Company, acrescentando que a função mais valiosa dos boletins informativos era trazer notícias quentes em proporções legíveis. “Cem revistas e jornais cruzam minha mesa e é difícil distinguir o bom do mau, principalmente quando não tenho tempo para lê-los. As newsletters são mais rápidas para mostrar a essência do que mais me interessa, e ocasionalmente elas relatam algo importante que não apareceu em outro lugar“, disse o gerente. 

E-mail como tecnologia de interatividade entre jornalista e leitor

A manchete da edição do inverno de 2000 da Columbia Journalism Review já é interessante: “A tecnologia está transformando o jornalismo – exatamente como sempre fez”. É por isso que, ao falar de newsletters como tendência, é preciso olhar para o e-mail, uma tecnologia que, no início deste século, deu uma chacoalhada na relação entre jornalistas e audiências. 

O artigo de Tom Regan fala abertamente sobre esse momento: “É hora de sermos honestos. Jornalistas odeiam a ideia de contato regular com leitores. Queremos que eles interajam conosco o suficiente para manter a impressão dos jornais e as estações de rádio e TV no ar. Mas não gostamos que eles, bem, falem conosco. Queremos dizer a eles o que pensar ou quais são as novidades, mas não gostamos de os leitores darem feedback sobre nossas escolhas”. 

Na mesma linha, Betty Bayé fala sobre a prática – que, na época, era tendência – de os jornais incluírem os e-mails dos repórteres nas assinaturas das matérias, possibilitando contato com os leitores. “Isso é ótimo – na superfície. O problema é: quando repórteres devem se engajar pessoalmente com qualquer pessoa que deseje debater, condenar ou (Deus me livre) até elogiar? Existem apenas 24 horas no dia, pelo menos seis a oito das quais, como regra, são dedicadas a dormir”. Isso em uma era pré-Twitter, percebem? 

Assim, o e-mail pode ser considerado o primeiro meio digital de interatividade entre repórter e leitor, e isso mudou a rotina produtiva. Um dos textos da revista traz o depoimento de um editor do Boston Globe, que reclama dos spams e da enxurrada de e-mails que recebeu entre uma sexta à tarde e segunda à noite: 2.193. Apesar dessa dificuldade de gestão, Regan afirma que a interatividade “é a melhor

coisa que aconteceu com o jornalismo em muito tempo”. 

Ele ainda afirma que “este novo paradigma exigirá que repensemos a definição de nossas funções. Interatividade ou interação regular com as pessoas que nos leem / assistem / ouvem se tornará uma parte fundamental do que cada repórter vai fazer”. E se tornou. 

Ascensão, queda e ascensão das newsletters

Destacamos também um capítulo do livro “Metamorfoses jornalísticas: transformações da mídia na era digital”, organizado em 2020 por Jorge Vázquez-Herrero, Sabela Direito-Rebollal, Alba Silva-Rodríguez e Xosé López-García. O texto de Jonathan Hendrickx, Karen Donders e Ike Picone coloca uma pergunta já no título: jornalismo inovador que volta no tempo? 

Os autores identificam as newsletters como precursoras do jornal impresso, cuja origem remonta ao século XV, por meio de boletins impressos com traduções escritas de acontecimentos e desastres naturais. A internet promoveu uma ascensão do formato mas, na segunda metade da década de 2000, com a popularização das redes sociais, os boletins novamente entraram em queda e especialistas chegaram até a decretar a morte do e-mail. No entanto, as constantes mudanças nos algoritmos de Facebook e cia fizeram com que os publishers voltassem a querer controlar o meio de divulgação de suas notícias – e as newsletters ressurgiram como uma maneira perfeita de fazer isso.

Os autores identificam três razões que explicam por que os publishers estão investindo cada vez mais em newsletters: (a) para diminuir a dependência de algoritmos de mídias sociais e o poder das plataformas em regular o tráfego para seus sites; (b) para recuperar a propriedade e retornar às funções de controle e definição de agenda pelo jornalismo; e (c) para diversificar a oferta de notícias e aumentar a audiência online. 

O jornal belga Het Nieuwsblad, do grupo Mediahuis, foi escolhido como estudo de caso, por estar em um mercado no qual 30% dos leitores consomem newsletters de notícias. Os autores afirmam que uma das maiores mudanças na tática “digital first” do jornal foi o foco em newsletters e em 2019 elas representaram quase 20% do tráfego para o site. São quatro por dia, todas noticiosas, e essa periodicidade alterou também a rotina de produção dos jornalistas, fazendo com que o trabalho se adequasse aos horários de envio dos boletins. 

Pensando no futuro das newsletters como produto e formato, os autores apontam como grandes desafios a monetização e a saturação devido à abundância.

Semelhanças entre curadoria e documentação

Descobrimos uma tese saída do forno – de 2021 – sobre curadoria de conteúdos no jornalismo digital, com especial olhar para as newsletters. O trabalho é de Javier Guallar Delgado, da Universitat Pompeu Fabra, em Barcelona. Ele começa traçando semelhanças entre a curadoria – que adquiriu um papel relevante no jornalismo do século XXI – e a documentação, especialidade tradicional nas redações jornalísticas, que foi perdendo espaço com a crise do impresso. 

No caso da documentação, os produtos:

a) dão suporte praticamente a qualquer gênero jornalístico, da entrevista à reportagem especializada e jornalismo investigativo;

b) ou constituem um produto em si, como no caso dos chamados produtos documentários em jornalismo, como cronologias, biografias e efemérides. 

A curadoria:

a) também dá suporte a diversos gêneros;

b) seus produtos podem ser: narração ou acompanhamento de eventos em tempo real, peças que combinam fontes (mashup), recomendação regular de conteúdo nas redes sociais; e newsletters.

Delgado cria também um conceito. Segundo ele, “curadoria jornalística ou curadoria de conteúdo na área de mídia é um complexo de atividades que inclui: 

1) pesquisa e monitoramento, 

2) seleção,

3) análise e verificação,

4) gerenciamento e edição e 

5) caracterização ou criação de sentido de informações publicadas na web, com o objetivo de produzir ou aprimorar produtos jornalísticos, que envolve a 

(6) disseminação de tais produtos por meio de plataformas digitais, como sites de mídia, blogs e outras mídias sociais”. 

Delgado analisou 84 newsletters de 16 veículos da imprensa espanhola e descobriu que a maioria delas oferecem entre 10 e 20 conteúdos com curadoria do que foi publicado nas horas anteriores no site do próprio meio de comunicação; não possuem assinatura do editor; não empregam nenhuma técnica de criação de sentido, embora às vezes, usem a técnica de resumir. 

Além disso, Delgado observou que há pouco tratamento jornalístico, já que na maioria dos casos o texto original é utilizado sem modificação ou com uma breve descrição. “Portanto, essas newsletters têm características mais próximas da curadoria automatizada do que a intelectual”, conclui.

A metodologia da Newsletter Farol Jornalismo

Newsletters têm estado tão presente nas nossas conversas que virou um artigo científico, que será apresentado no congresso da SBPJor, em novembro. Nele, nós refletimos sobre o método de curadoria a partir de uma autoetnografia da NFJ. Ou seja, tentamos explicar por que fazemos o que fazemos e de que forma, visando produzir um conhecimento científico a partir de nossa própria prática. 

Começamos defendendo que a curadoria de conteúdo possui potencial para emergir como um paradigma da atuação jornalística, argumento já presente na tese do Moreno, lá em 2018. Assim, partimos do pressuposto de que curadoria não é apenas sinônimo de coleta de informações. Para entender a complexidade deste fenômeno, faz-se necessário ir além da visão instrumentalizada, do senso comum mercadológico e de sua relação com sistemas automatizados, como agregadores de notícias. 

E como nós fazemos a curadoria da NFJ? Utilizando como método a busca, seleção e cuidado com o conteúdo da curadoria

Vamos falar primeiro da busca. Na NFJ, ela se divide em institucional, por meio do monitoramento de sites-referência; e conversacional, que é o acompanhamento de discussões nas redes sociais, principalmente no Twitter. 

Na etapa de seleção, são duas dimensões: a leitura dinâmica que, de modo simples, pode ser definida como “bater o olho e saber”. Dito de outra maneira: é a capacidade de ler verticalmente um texto, sintetizá-lo a partir dessa leitura, retirando dali um resumo e fazendo isso de maneira correta e ética. Já a leitura em profundidade permite de fato atribuir um grau maior ou menor de importância para a discussão. 

Por fim, o cuidado com o conteúdo da curadoria tem por objetivo extrair o principal de cada conteúdo para que surja algo novo da leitura de vários textos e da síntese feita em cada um. Esse nosso exercício de autorreflexão foi uma tentativa de pensar teoria e prática de modo dialógico, a fim de produzir um conhecimento que ajude a dar sentido ao fazer.

Nossas concatenações teóricas sobre newsletter e jornalismo não acabam por aqui. Até a próxima análise!