Pesquisa com 11 veículos jornalísticos de diversos países, feita por Emily Goligoski e Jay Rosen, do Membership Puzzle Project, mostra como a audiência pode ser envolvida nas etapas da produção jornalística. E também dizem quando não dá certo chamar os membros à participação.
Membership significa mais do que assinantes ou audiência. Quem acompanha a NFJ há mais tempo sabe que já falamos sobre esse conceito algumas vezes: na NFJ #186 indicamos este artigo de Richard Gingras, vice-presidente de Notícias do Google. Citando veículos como New York Times, MediaPart, De Correspondent, Texas Tribune e The Guardian, Gingras destacou a importância dos modelos de assinatura e de associações (memberships) nesse novo cenário:
“O foco em assinaturas e associações está causando uma mudança saudável em como as organizações de notícias se relacionam com as comunidades que servem. Os sites de notícias estão aprendendo que a proposta de valor para suas comunidades é menos sobre acesso, no sentido de um paywall difícil, e mais sobre os cidadãos que entendem e apoiam o papel que uma organização de notícias desempenha em suas comunidades locais. É menos sobre a venda de acesso privilegiado ao conteúdo e mais sobre o ‘pagamento adiantado’ do apoio à missão e os valores que uma organização de notícias oferece à sua comunidade”.
Para além da questão conceitual, membership se tornou um modelo de negócios. Na NFJ #217 repercutimos os resultados do relatório anual do Reuters Institute sobre Tendências e Previsões de Jornalismo, Mídia e Tecnologia para 2019. Um deles diz que:
- Assinaturas e membership são prioridade para a indústria jornalística daqui para frente. Mais da metade dos entrevistados (52%) espera que este seja o principal foco de receita em 2019, comparado com apenas 27% para publicidade gráfica, 8% para publicidade nativa e 7% para doações. Esta é uma enorme mudança de foco para a indústria.
É neste contexto de escuta e valorização da opinião e do conhecimento dos membros que vamos analisar o mais recente relatório do Membership Puzzle Project.
- Na NFJ #229 recomendamos este outro estudo deles: O que a imprensa pode aprender com outros movimentos centrados nos seus membros.
- O Aos Fatos foi um dos veículos contemplados com o fundo do Membership Puzzle Project que busca uma “pluralidade de aproximações” à ideia de membership aplicada ao jornalismo. Falamos sobre isso na NFJ #231.
Como construir uma comunidade de membros
Com o título “Quer tornar seu jornalismo mais significativo para seus membros (memberful)? Descubra uma variedade de práticas comprovadas, incluindo rotinas para geração de receita”, o relatório de Emily Goligoski e Jay Rosen se debruçou sobre os seguintes sites jornalísticos: Direkt36, Krautreporter, CORRECTIV, Inside Story, Maldita, De Correspondent, Eldiario.es, GEDI Group, Nice-Matin, ProPublica, Cape May County Herald, CHOICE, The Quint, Clydesider Creative, Kosofe Post, RED/ACCIÓN, Tvoe Misto, The Bureau of Investigative Journalism e Financial Times.
“Percorremos o mundo para identificar rotinas de membros que incorporam o conhecimento dos membros da comunidade e produzem valor para as organizações de notícias”, diz o relatório.
Rotinas de reportagem centradas nos membros
De acordo com o relatório, manter um banco de dados de membros e seus conhecimentos é o primeiro passo, que são rotineiramente utilizados para fornecer revisão técnica de artigos e investigações.
Na RED / ACCIÓN na Argentina, os membros são convidados a participar de um grupo do WhatsApp liderado por um repórter enquanto está cobrindo uma história para que suas perguntas, perspectivas e necessidades sejam melhor atendidas.
Em Maldita, na Espanha, os leitores sinalizam possíveis desinformações no texto, vídeos e imagens que veem e contribuíram com informações sobre questões LGBTQ durante o mês do orgulho gay.
Na ProPublica nos EUA, os pacientes e seus familiares usaram grupos privados de redes sociais e outros meios para se comunicar com os repórteres sobre casos evitáveis de negligência médica, levando a mudanças nas políticas em todo o país.
Os autores identificam que os membros podem ser inseridos nas seguintes fases da rotina jornalística:
- Planejamento: membros sendo ouvidos
- Pesquisa e reportagem: membros oferecendo dicas ou ajuda com fontes
- Edição e fact-checking: membros lendo o rascunho da reportagem
- Pós-publicação: membros ajudando a distribuir aquela história para as pessoas que precisam dela.
Há ainda algumas circunstâncias em que pode ser especialmente adequadas para inserir o membros:
- Áreas em que a organização de pessoas é uma tradição, como por exemplo nos tópicos relacionados aos trabalhadores;
- Assuntos que causam comoção e para os quais as pessoas costumam se sentir ignoradas;
- Áreas propensas a desinformação, incluindo imigração, feminismo e ciência;
- Assuntos que não são cobertos frequentemente pela mídia mainstream;
- Reportagens de prestação de contas, especialmente as sobre problemas dos cidadãos;
- Histórias orientadas a soluções que oferecem saídas alternativas.
As principais formas de construir essa rotina com os membros são, de acordo com a pesquisa:
- Plataformas de comentários e votações
- Trabalho compartilhado com dados (incluindo hackathons)
- E-mail e newsletters
- Enquetes
- Mídias sociais
- Treinamentos e outros tipos de formação
- Reuniões editoriais e eventos.
Quando NÃO costuma dar certo
A pesquisa indica que fazer perguntas aos membros da comunidade, não importa quão experientes sejam individualmente, raramente funciona se as solicitações forem muito vagas.
“No Krautreporter, Sebastian Esser nos disse: ‘O que não funcionou é quando apenas pedimos opiniões aos membros … Você precisa fazer as perguntas certas, caso contrário, obtém pontos de vista e julgamentos em vez de informações ou análises que podem ser úteis para você’”.
Isso significa que:
– Nem toda história pode ou deve ter envolvimento do leitor.
– Deixe claro para os membros da comunidade: todos têm opiniões. Suas opiniões não administrarão nossa redação.
– O envolvimento dos membros é um trabalho árduo. Profissionais precisam ser identificados, treinados e ter tempo para fazer corretamente.
– O gerenciamento de projetos é uma disciplina em si. Sem ele, os sites de notícias terão dificuldade de ter sucesso no estabelecimento de rotinas com os membros.
– Os membros não sabem necessariamente o que as organizações de notícias precisam saber sobre eles. Temos que ensiná-los essa parte.
– Este trabalho pode não ter resultados de receita imediatamente positivos. Mas pode-se chegar lá.
– Mais veículos estão utilizando o modelo de membership. Mas os membros não podem ser ligados e desligados como uma marca ou campanha. Essas são práticas profissionais que requerem uso, pesquisa e relacionamento com os membros da comunidade.