Nesta análise vamos formatar um corpus de análise para começar a colocar à prova a tipologia sugerida nas análises anteriores. Para isso, vamos usar a iniciativa criada pelo Manual do Usuário, que reúne newsltters brasileiras gratuitas em um grande diretório
Na análise publicada no fim de setembro, aprofundei uma proposta sobre uma tipologia para newsletters jornalísticas desenvolvidas semanalmente na seção concatenações, da Newsletter Farol Jornalismo (NFJ), das semanas imediatamente anteriores.
Nesta nova análise, retomarei as reflexões propostas nas concatenações publicadas em novembro na NFJ. A ideia é seguir trabalhando na proposta de tipologia. Mas agora, vou começar a me debruçar sobre um corpus de análise, de modo a colocar a tipologia à prova.
A formatação do corpus
Parti de um corpus já disponível, o diretório de newsletters brasileiras gratuitas criado pelo Manual do Usuário. Lá estão listadas 175 newsletters. A planilha contém informações básicas de cada boletim, entre elas duas classificações que me interessam: periodicidade e temas. Nesta primeira abordagem, resolvi filtrar apenas os boletins que tenham sido classificados com a etiqueta temática “jornalismo”. Há outras etiquetas, evidendemente, como, por exemplo, “Política”, “Pesquisa”, “Tecnologia”, “Pessoal”, entre outras. (Segundo Rodrigo Ghedin, editor do Manual do Usuário e responsável pela lista, a classificação foi criada por ele. Ele também etiquetou os primeiros registros. Depois, os próprios editores sugeriram as categorias ao enviarem seus dados para a plataforma.)
Ao filtrar pelo tema “jornalismo”, a lista diminuiu para 22 ocorrências. Há, como era de se esperar, efeitos colaterais nessa escolha. Muitas newsletters que poderíamos considerar jornalísticas, como o Canal Meio, por exemplo, ficaram de fora desse filtro. No diretório, o Meio está classificado com as etiquetas “Negócios”, Política” e “Entretenimento”. O que me leva a pensar que a etiqueta “Jornalismo” diz respeito a boletins que falem sobre jornalismo (a suspeita, aliás, estava correta, como o próprio Ghedin me confirmou mais tarde), como a própria NFJ e a news do ObjETHOS, ambas presentes entre as 22 resultantes.
O próximo passou foi verificar a viabilidade desse número. Especialmente checar se elas se encaixam como newsletters jornalísticas. Ok, mas como definir o que são newsletters jornalísticas? Talvez o ideal fosse buscar uma referência teórica que explicite a definição de jornalismo. Vou me permitir não fazer isso nesse momento – embora alguns elementos intuitivos desses referenciais estejam presentes no meu recorte.
Pois bem. O primeiro critério é justamente a etiqueta “jornalismo” do próprio diretório. Dos 22 resultados, retirei as newsletters desativadas ou há muito tempo sem atualização (mais de 60 dias). Saem da lista “Dose de impacto”, “Periódica”, “Vem pro fluxo”, “Lagom Insights”, “Vozes pela diversidade” e “Investigadora”. Tirei da lista também as newsletters cujo site estavam fora do ar no momento da assinatura ou que são boletins pessoais. É o caso de “Juliano Nóbrega” e “Refúgio do ruído”. Por fim, também tirei a própria NFJ, que também aparecia nas 22 etiquetadas como “jornalismo”. Isso dá 9 boletins excluídos do corpus inicial. 22 menos 9 é 13. Esse é o tamanho do conjunto inicial.
Análise 1: periodicidade
Das 13, 5 são quinzenais, 7 semanais e 1 mensal. Nesse corpus não há boletins diários.
Vamos retomar as reflexões sobre periodicidade da análise de setembro? Naquele momento, eu sugeri que as newsletters semanais:
Tendem a ser, portanto, mais analíticas e/ou contextualizadoras/explicativas. Também se justificam quando se dedicam a uma cobertura que não tem tanto assunto para sustentar uma newsletter diária. […] Um dos pontos fortes dessa periodicidade é que, assim como a diária, ela está ancorada em um ciclo que também rege a vida das pessoas: a semana. Com a vantagem de não se acumular na caixa de entrada dos assinantes, o que pode acontecer com boletins diários.
Em uma olhada rápida pelas edições mais recentes das 7 newsletteres semanais, posso dizer que:
- A newsletter Descentraliza reúne as principais produções, publicadas ao longo da semana, de jornalistas de uma iniciativa chamada Redação Virtual espalhados pelo Brasil.
- O boletim do Nonada destaca matérias próprias publicadas ao longo da semana e ainda chama a atenção para notícias e links ligados à cultura, área de atuação do veículo.
- A news do Canal Reaload recupera os principais acontecimentos da semana a partir do olhar e da linguagem do próprio Reload.
- A CastNews traz as principais noticias da semana do mundo dos podcasts.
- A Lente recupera o que foi notícia no segmento da desinformação e da checagem de fatos e também dá destaque para seus próprios conteúdos – produzidos ao longo da semana.
- O boletim do Portal Catarinas, embora mais curto, também tem um caráter de revisão da semana, trazendo sempre algum destaque de produção própria e chamando a atenção para links que ofereçam assuntos de interesse do público do site.
- Por fim, a Agência Tatu faz uma curadoria do conteúdos recentes ligados a jornalismo de dados e acesso à informação.
O que todas possuem em comum? Eu diria que o “olhar para a semana que passou”. Algumas fazem isso olhando mais para dentro (curadoria interna), alguns mais para fora (externa), e outros fazem as duas coisas (curadoria mista). Mas o que me interessa agora é a escolha do ciclo semanal como um marcador temporal para rever o que de relevante vem acontecendo nos seus respectivos segmentos de atuação.
Há, portanto, muito mais um movimento de sublinhar a relevância de determinados acontecimentos e conteúdos do que propriamente um caráter análitico em relação a esses mesmos acontecimentos e conteúdos. Nesse sentido, as newsletters parecem servir mais como uma forma de (re)distribuição. Ao redistribuir, os editores usam o potencial epistolar e dialógico do email para sublinhar a importância do que está sendo disponibilizado ali.
Faz sentido?
Em relação às quinzenais, no caso do corpus aqui analisado, acho que dá pra dizer que elas possuem as mesmas características das semanais. Das 5 selecionadas, consegui analisar 4 delas (a outra ainda não recebi nenhuma edição).
- A Don’t LAI to me traz notícias relacionadas a informações públicas e acesso à informação, além de destacar conteúdos próprios do Fiquem Sabendo.
- A Mural Inbox funciona mais ou menos da mesma forma: olha para o que foi produzido pelos muralistas da agência ao longo da semana, além de destacar, eventualmente, outros links que dialoguem com a proposta do veículo.
- A Cajueira faz uma seleção de contéudos jornalísticos publicados por veículos independentes da regão Nordeste.
- Por fim, a ObjETHOS olha para os principais acontecimentos jornalísticos dos últimos quinze dias, e faz pequenas análises sob o ponto de vista da ética profissional. Também aponta para conteúdos internos produzidos pelo grupos de pesquisa de mesmo nome.
Novamente o que se destaca é um olhar de “vejam só o que rolou na semana”, né?
Na análise de setembro, eu disse o seguinte:
A principal diferença, eu diria, é não estar ancorada em um ciclo que costuma reger o cotidiano das pessoas. Poucas coisas são quinzenais, vocês não acham? Boletins quinzenais correm o risco de não entrar na rotina dos assinantes, e assim não serem lidos.
Esse é um aspecto que não será contemplado nessa primeira análise, pois precisaríamos conversar com os editores para explorar melhor a decisão pela periodicidade quinzenal. Algo que não vamos fazer agora.
Indo adiante. Na NFJ#352, segui as análises preliminares, agora sobre a linguagem.
Análise 2: linguagem/estilo
Para essa categoria, estabeleci três critérios iniciais: linguagem formal, informal e conversacional. Eles são meio autoexplicativos, mas sempre vale esclarecer o que eu pensei quando as criei.
- Uma newsletter com uma linguagem formal tem um texto direto, impessoal, marcado por uma abordagem noticiosa, que usa prioritariamente a terceira pessoa e (quase) não se dirige ao seu leitor, seja através do modo imperativo, seja por meio de perguntas. Em um primeiro momento, encontrei essas características nos boletins Lente, da Lupa, e Don’t LAI to me, do Fiquem Sabendo.
- Newsletters com uma linguagem informal começam uma jornada COLOQUIALIDADE adentro, mas não necessariamente estabelecem uma conversa com o seu público. Há um uso maior do imperativo e de call to action. CastNews e Portal Catarinas parecem se adequar nesse critério.
- Já boletins conversacionais assumem explicitamente o caráter epistolar do meio email – ainda que quase nunca o envio de uma newsletter represente efetivamente uma troca de correspondências. Essas newsletters assumem explicitamente, em seu texto, que há uma pessoa lendo do outro lado, e por essa razão se dirigem diretamente a ela – algo que a linguagem jornalística historicamente não costuma fazer. Como isso acontece? Apostando ainda mais na coloquialidade e se comportando como se de fato houvesse uma conversa em curso. Isso se dá especialmente no começo de cada edição, quando o texto saúda o leitor antes de começar a entregar o conteúdo pelo qual o leitor está esperando. Grande parte do nosso corpus aposta nessa abordagem: Mural Inbox, Cajueira, ObjETHOS, Nonada, Descentraliza, Canal Reload e Agência Tatu.
A partir desse primeiro olhar para o corpus, o que me pareceu mais em evidência foi uma tentativa de assumir a newsletter como um canal de distribuição que usa o potencial epistolar do email como uma forma de chamar a atenção do leitor para acontecimentos e conteúdos que, na visão de cada veículo, o leitor deve ter conhecimento (o consumo/leitura é outra história, pois dependeria de métricas de audiência). E a periodicidade parece estar ligada, mais do que qualquer outra coisa, ao ritmo do noticiário dos assuntos aos quais cada veículo está dedicado (evidentemente me faltam outros critérios que justifiquem a escolha e que só poderiam ser fornecidos em conversas com os editores).
Mas a coisa não para por aqui. No começo de janeiro vamos publicar mais um capítulo dessa análise, que será resultado das concatenações que faremos na NFJ ao longo de dezembro.
Até lá!