E mais: boletins informativos como modelos de negócio de veículos jornalísticos e algumas lições sobre newsletters
Newsletters têm feito parte do modelo de negócios de veículos jornalísticos como fonte de receita – por meio de novos assinantes e, em alguns casos, anunciantes. Este estudo publicado na Digital Journalism sistematizou entrevistas com jornalistas de 13 veículos brasileiros, entre eles o Farol Jornalismo. Mathias-Felipe Santos, Lucia Mesquita, João Guilherme Peixoto e Isadora Camargo apresentam os modelos de negócios e tecnologias inovadoras que serão os principais players do futuro da indústria de notícias. Um dos conceitos que eles usam na pesquisa é o de Indústria 4.0, “que promete uma produção mais inteligente, digitalmente conectada em rede e construída em modelos de dados intensos”.
Neste sentido, pelo menos duas estratégias predominam: encontrar um nicho – como a nossa NFJ, newsletter especializada em curadoria e análise de jornalismo; e investir em novos formatos aliados à tecnologia — como a agência de fact-checking Aos Fatos, que quer se tornar um dos sites de notícias mais inovadores, combinando verificação com abordagens orientadas por dados. Ao pensar em inovação, nós do Farol, o Poder360 e o Metrópoles apontamos que às vezes não é preciso “inventar a roda”, pois as newsletters — que não são exatamente algo novo — podem se tornar uma boa forma de trabalhar e distribuir os produtos jornalísticos. E vejam que interessante: a principal fonte de receita do Poder360 é a assinatura corporativa da newsletter Drive Premium, que consiste em três boletins diários que fornecem informações e bastidores de análises políticas, bem como projeções.
O artigo conclui que a indústria brasileira de notícias está implantando inovações em um ritmo rápido por meio de uma combinação de melhor uso de dados, automação, bots de notícias e inteligência artificial. No entanto, os entrevistados pouco falaram sobre o uso de tecnologias imersivas, drones ou tecnologias vestíveis. Oportunidades de inovação, certo?
Substack cria app para leitura de newsletters – e nós testamos
A plataforma Substack lançou um aplicativo iOS para leitura de todos os boletins que determinada pessoa assina, assim como qualquer outro feed RSS que se queira adicionar. Em entrevista a Casey Newton, o CEO do Substack, Chris Best, destacou que “o app foi criado por uma equipe nostálgica dos dias felizes do Google Reader”. Ele ainda afirma que o app possui recursos que simplesmente não são possíveis no e-mail, como escuta de podcast em segundo plano, incorporações de vídeo e tópicos de comentários atualizados em tempo real.
O que esse movimento representa? Além, é claro, de indicar que as newsletters têm sido objeto de constante inovação, mostra também que a plataformização está cada vez mais presente neste segmento. A migração das newsletters do e-mail para um app deve ser objeto de reflexão para além da inovação técnica. O que representa concentrar os boletins em uma única plataforma, que deseja ter minha atenção pelo máximo de tempo possível? Casey Newton percebeu que, ao entrar no app do Substack, “a primeira coisa que ele faz é perguntar se você quer ‘pausar’ todas as notificações por e-mail das publicações que você assina”. A caixa de e-mails é um amontoado de coisas que você pediu para receber (ou Não), com a enorme vantagem de não ser algoritmizada – apesar de também ser, ele mesmo, um tipo de plataforma. Este estudo da London School of Economics and Political Science, publicado em 2016, destaca a relevância do e-mail diante de um ambiente virtual confuso, com excesso de informações. Assim, acrescentar funcionalidades às newsletters pode, em última instância, descaracterizá-las enquanto conceito, objetivos e vantagens.
Para entender melhor o novo app, testei suas funcionalidades. Minha principal curiosidade era saber o quão algoritmizada é a plataforma, já que, como destaquei na última NFJ, esta é, a meu ver, uma das principais vantagens do e-mail. Os algoritmos aparecem logo após o cadastro, quando o app sugere que sua conta seja conectada com o Twitter, para “ver o que seus amigos estão lendo e escrevendo no Substack”. Aceitei a conexão e logo recebi uma lista bem confusa de newsletters sugeridas, várias das quais eu já assino. Algumas realmente estavam de acordo com meu perfil, como a news “Journalist’s Toolbox”, mas outras nem tanto, como “Garbage Day”. Mas o que mais me chamou atenção foi a ausência da própria NFJ na minha lista. Além de ser editora da newsletter, sou assinante, né?
Em termos de design, não há qualquer inovação. Título da newsletter, imagem e pequena descrição. Nada que me faça ter curiosidade para assinar um boletim que ainda não conheço e, pelo menos por enquanto, nada que me faça querer navegar por horas no app — como é o desejo de seus criadores. Há possibilidade de dar like, comentar e enviar cada “post”. Ainda não há conexão com outras pessoas – somente com outros boletins. Poderia ser interessante ver o que meus amigos estão lendo. A promessa de maior engajamento pode beneficiar quem se sustenta financeiramente por meio do Substack, mas ainda é cedo para ver algum resultado. Para além dos grandes nomes (como o próprio Casey Newton), veículos jornalísticos pequenos estão lutando para aumentar suas receitas. Vale a pena ler este relato do The Arizona Agenda, uma newsletter que está completando seis meses no Substack. Os editores lembram que são a primeira safra de jornalistas se aventurando neste mercado, já que “não há Substackers veteranos. No máximo, as pessoas têm feito isso por um ano ou dois”. Eles também destacam que o Substack tem sugestões sobre como aumentar a base de assinantes, mas “não sabem o que é um sucesso infalível fora dos grandes escritores nacionais. O sucesso em um Substack pode não se traduzir completamente em outro”.
Lições sobre newsletters
Para encerrar as concatenações teóricas do mês de março, algumas dicas práticas e úteis. O fotógrafo e autor CJ Chilvers publicou um post interessante com 35 lições sobre newsletters em seu blog. Quem chamou a atenção para a lista foi o pesquisador Ismael Nafría no Twitter. Chilvers não é jornalista, e se diz um apaixonado por newsletters — sua primeira foi sobre Ninjas, em 1987. Desde então se passaram 35 anos de publicações grandes e pequenas, de iniciativas pessoais a grandes projetos corporativos. Por isso as 35 lições. Vejam as 10 primeiras:
- Email dura. Você terá um meio que melhor traduz o seu estilo (talvez áudio ou vídeo mantenham você animado), mas email é universal desde que a nossa espécie está online. Ele ainda é o rei.
- Não há competidores para a sua voz pessoal.
- Newsletters constroem relacionamentos. É sobre isso. Quem tentar outra coisa está mentindo para si mesmo ou para seus leitores.
- Seja humano. As pessoas reconhecem spam. As pessoas reconhecem ofertas. As pessoas também reconhecem uma comunicação honesta e humana. É aqui que as newsletters se destacam. Seja real. Seja vulnerável.
- A melhor métrica são as respostas ao email.
- A perfeição é um saco, é chata.
- Ninguém se importa. Você deve dar as razões para que as pessoas se importem. Ganhe cinco segundos da atenção delas. Depois, ganhe mais cinco. Repita.
- Nova ideia? Apenas comece. Você não consegue estabelecer relacionamentos se você não está lá fora. Faça o que for preciso para tirar sua ideia do papel. Faça correções ao longo do caminho, se e quando for preciso.
- Curadoria importa. Há muitos criadores e poucos editores. A escassez cria valor.
- Há bravura na brevidade. Ser pequeno é difícil, mas é ser atencioso e valioso.
Desde que iniciamos nossa incursão pelo assunto, temos reiterado a potência das newsletters para o jornalismo. O investimento cada vez maior do Substack e de outras plataformas neste ramo, além do crescente interesse de pesquisadores, reforça essa afirmação.