Nesta análise exclusiva para os nossos apoiadores, olhamos com atenção para um dos principais relatórios anuais sobre o estado do jornalismo mundial, em especial para os dados do cenário brasileiro
Vocês já ouviram falar do Digital News Report, né? Desde 2012, o Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford, faz um estudo global sobre o consumo de notícias online. Este ano, foram entrevistados por meio de pesquisa online 75 mil pessoas de 38 países e 6 continentes, incluindo o Brasil (e a África do Sul, pela primeira vez).
Antes de dar um mergulho nos dados do nosso país, vamos às conclusões mais gerais. As principais descobertas giraram em torno de 5 temas:
- Evolução de novos modelos de negócios online
Mais pessoas estão pagando por notícias online (em alguns países, principalmente nos nórdicos), mas os limites do modelo de assinaturas estão ficando mais claros.
- Confiança e desinformação
Muitos dizem que estão confiando mais em marcas com reputação e perdendo menos tempo com marcas menos confiáveis. Apesar disso, a confiança nas notícias continua a cair, com pessoas reclamando da sobrecarga e da negatividade das notícias.
- Impacto do populismo
Pessoas com atitudes populistas são mais propensas a identificar a televisão como sua principal fonte de notícias, mais propensas a confiar no Facebook para notícias online e menos propensas a confiar na mídia geral.
- Mudança para aplicativos de mensagens privadas
Na maioria dos países, as pessoas estão passando menos tempo no Facebook e mais tempo no Instagram e WhatsApp.
- Surgimento de podcasts
Podcasts (e podcasts de notícias) estão atingindo mais consumidores – especialmente os mais jovens.
Para quem quiser se aprofundar:
Brasil: mais desinformação e menos confiança nas notícias
Rodrigo Carro, jornalista especializado em Economia e ex-fellow do Reuters Institute, assina o texto do relatório com as análises sobre o Brasil, bastante centrada nas eleições presidenciais de 2018 (e não poderia ser diferente, né?).
O contexto nós já conhecemos, mas Carro explica para os gringos: as mídias sociais e os aplicativos de mensagens tiveram um papel crucial na campanha de Jair Bolsonaro (ele lembra que o capitão teve apenas oito segundos de publicidade na TV durante o primeiro turno). O WhatsApp tornou-se uma poderosa ferramenta de campanha, com aproximadamente um milhão de grupos criados para promover candidatos. Na tentativa de evitar que as fake news se espalhassem, os principais meios de comunicação brasileiros montaram projetos conjuntos de verificação de fatos. Carro cita o Fato ou Fake e o Projeto Comprova.
Confiram estes CINCO highlights sobre o cenário brasileiro:
Brasileiros continuam sendo os maiores usuários de mídia social no mundo, e o uso de todas as principais marcas aumentou significativamente no último ano. O crescimento foi particularmente forte entre os usuários do Instagram (+10), WhatsApp (+5) e YouTube (+8).
Durante toda a campanha presidencial (e depois dela), os frequentes tweets de Bolsonaro e as aparições no Facebook Live forçaram uma mudança na cobertura da mídia tradicional, já que os jornalistas precisavam manter uma vigilância constante não apenas nos perfis sociais do presidente, mas também de seus aliados. Carro lembra que, antes de assumir o cargo, Bolsonaro anunciou 14 de seus 22 ministros através do Twitter.
A confiança geral nas notícias caiu 11 pontos percentuais, para 48% em comparação com a pesquisa do ano passado, diretamente afetada por uma atmosfera de polarização política. O ambiente de confronto político trouxe a mídia partidária para o foco, já que um número significativo de eleitores estava dividido entre os candidatos de esquerda e de extrema direita.
Após três anos de quedas sucessivas na circulação, os esforços da indústria de jornais para atrair assinantes digitais parece estar funcionando. A média diária de assinaturas impressas e digitais dos 10 principais jornais subiu 2,9% no comparativo anual (33% de aumento nas assinaturas digitais para aqueles que possuem edições online). O aumento foi impulsionado por campanhas de descontos e pela ampla adoção de paywalls.
A concentração da publicidade na TV e na internet, somada à lenta recuperação da economia brasileira, contribuiu para o fechamento de jornais impressos há muito estabelecidos. Rodrigo Carro cita como exemplos o jornal A Cidade, de São Paulo, que encerrou sua versão impressa após 114 anos; e o Jornal do Brasil, que relançou e ano passado encerrou novamente o jornal, ficando só com a edição online.
Veja abaixo os gráficos com as organizações de notícias preferidas dos entrevistados no Brasil:
ONLINE
TV, RÁDIO E IMPRESSO
Este outro gráfico mostra a queda impressionante dos veículos impressos como fontes de notícias para os brasileiros (de 50% para 27% em 7 anos). No mesmo período, as mídias sociais tiveram grande crescimento (de 47% para 64%), com pequena queda de 2018 para 2019. E 87% dos entrevistados se informam pela internet (incluindo as mídias sociais) em 2019.
Com a palavra, os especialistas
Mathew Ingram, neste texto para a Columbia Journalism Review, escreveu:
“Se você é um gigante digital próspero com modelo de assinaturas bem estabelecido, provavelmente você está indo muito bem, graças ao crescimento do consumo digital e móvel das notícias. Mas se você é um pequeno veículo que ainda depende predominantemente do impresso e suas assinaturas não são lucrativas, o Digital News Report lhe causará pesadelos”
Citando o Digital News Report, o Wellcome Global Monitor e o Edelman Trust Barometer, Mark Henderson afirma que todos estão contando a mesma história:
“Nós temos uma lacuna de confiança. Temos uma lacuna de notícias. Temos uma lacuna científica. Essas lacunas não surgiram de forma independente, mas como parte de uma divisão muito mais generalizada. O que nós, do lado privilegiado dessa divisão, escolhemos fazer sobre isso, é a próxima grande questão”
Em evento de lançamento do relatório na Universidade de Columbia, o professor Rasmus Nielsen elencou 5 questões que emergem da pesquisa:
- Podemos construir uma confiança maior em marcas de notícias “respeitáveis”? Podemos transformar isso em ganho financeiro?
- Como os publishers devem responder às descobertas de que as pessoas estão desgastadas pelas notícias e as consideram deprimentes?
- Quanto mais longe podem ir os modelos de pagamento? Precisamos agrupar conteúdo ou alterar preços?
- Como a indústria deve reagir à mudança das pessoas para redes e grupos mais privados?
- Como os publishers podem aproveitar ao máximo o crescimento dos podcasts?
Rasmus Nielsen também apresentou o relatório no evento da Global Editors Network (GEN Summit). Assista aqui (50 minutos, em inglês).
O professor Jeff Jarvis destacou e analisou alguns outros pontos do relatório:
- Apenas 29% dos entrevistados disseram que obtêm notícias a partir dos sites dos veículos. E, no entanto, os publishers insistem que ainda podem ter sucesso como fonte de tráfego. 53% afirmam que o principal caminho é pela busca, redes sociais ou agregadores.
- Metade – metade – das assinaturas nos EUA vai para três publicações (NYT, WSJ e WaPo) e quem paga são os mais ricos e instruídos. O que eu temo: diversas vozes marginalizadas. E as organizações de notícias reclamam da participação de mercado das plataformas.
- No Brasil, na Índia e na África do Sul, cerca de metade dos usuários recebem suas notícias via WhatsApp – contra 4% nos EUA. Não estamos prestando atenção suficiente às mensagens para notícias e à desinformação.
- Apenas 51% dos entrevistados acham que a mídia “me ajuda a entender as notícias do dia”.
- Uso de smart speakers para notícias continua decepcionante: 12% para uso geral contra 4% para notícias nos EUA.
Uma questão importante que também emergiu do Digital News Report foi o ato de evitar as notícias (“news avoidance”). Neste texto para o Nieman Lab, Joshua Benton levanta algumas causas para o fenômeno:
- Notícias sobre grandes problemas são deprimentes se não forem apresentadas aos leitores soluções potenciais.
- É possível que estejamos superestimando o papel da confiança no ato de evitar as notícias. Lembre-se: “Isso pode ter um efeito negativo no meu humor” pode ser um fator mais consistente do que “eu não posso confiar que as notícias sejam verdadeiras”.
- O consumo de notícias costumava ser um hábito diário – ler o jornal todas as manhãs, assistir às notícias todas as noites. Agora está diluído durante todo o dia. O jornalismo civicamente útil está competindo com todas as outras formas de mídia, conteúdo ou diversão. Nesse contexto, muitas pessoas decidem, como atores econômicos racionais, que elas estão melhor sem a gente. Como podemos convencê-los do contrário?
Edições anteriores
O Farol acompanha o Digital News Report há cinco anos. Leiam as análises que fizemos em 2015, 2016, 2017 e 2018.