Dois estudos publicados recentemente – um de Harvard e outro de Oxford – tratam desses dois temas e reforçam a necessidade de mudanças importantes nas redações jornalísticas.

As redações jornalísticas precisam se abrir para novos métodos de pesquisa, abordagens de gerenciamento, ferramentas, narrativas, produtos e para pessoas com diferentes habilidades: codificadores, estatísticos, engenheiros, designers. Esta é a defesa-manifesto de Uli Köppen publicada no Nieman Lab, fruto de seu fellowship em Harvard.

Köppen levou sua experiência de mercado para a pesquisa. A partir de seu trabalho dentro de uma equipe interdisciplinar na BR Data (time de jornalismo de dados da emissora pública alemã Bayerischer Rundfunk), ele relata que lidar com pessoas com uma mentalidade e um conjunto de habilidades diferentes é uma das melhores experiências que teve em sua carreira, mas também a mais difícil. Segundo ele, esse sentimento foi compartilhado pelas pessoas com as quais conversou durante a pesquisa.

“É muita tentativa e erro. Você depende uns dos outros e da estratégia da organização como um todo, que interfere nos detalhes do seu trabalho cotidiano. Você obtém acesso ao servidor ou precisa perguntar ao departamento de TI toda vez que quiser trabalhar na sua matéria? Você está vinculado a um sistema de gerenciamento de conteúdo rígido ou pode criar sua própria estrutura de narrativa para experimentar novos formatos? Será que as pessoas com origens totalmente diferentes precisam realmente ter as mesmas credenciais jornalísticas de todas as outras pessoas na redação? Tudo isso pode causar uma dor de cabeça infernal, mas no final vale a pena”.

A seguir, 10 ideias, experiências e ferramentas que podem ser úteis para a construção de equipes interdisciplinares:

1. Defina sua missão

Ter uma missão ajuda a definir os papéis em uma equipe com várias disciplinas. Quanto mais focada sua missão, melhor ela é. “Nosso objetivo é o jornalismo de dados investigativos”, funciona muito bem em termos de clareza. Todo mundo sabe onde está o foco. Se você tem mais de um objetivo, tente formular prioridades. Elas funcionam como uma diretriz para decidir quais projetos assumir e como publicá-los.

Köppen diz que é preciso ter em mente que a missão vai mudar com o tempo. No caminho você entenderá melhor o problema que está resolvendo. Isso também permite contratar pessoas mais especializadas. “Quanto mais você entende a escala e o escopo do problema, mais você deve contratar especialistas”, disse um dos entrevistados.

2. Aumente sua equipe organicamente

Köppen conta que na BR Data, começaram como uma equipe de Transmídia Storytelling e foram se dedicando gradualmente ao jornalismo de dados. “Se não tivéssemos tempo para construir gradualmente nossa equipe, teríamos perdido muitas nuances e especializações que nos ajudaram a construir nosso DNA como a equipe de dados que temos hoje”, conta.

3. Estabeleça um modelo na sua redação

Para Köppen, isso determina como a equipe está inserida na organização, como as pessoas trabalham juntas, quem está definindo a agenda e a quem os membros da equipe estão se reportando. Segundo ele, existem pelo menos dois tipos:

Centralizada = uma equipe independente com membros permanentes.

Incorporada (Embedded) = membros da equipe incorporados em outras, mas que regularmente estão em contato para um intercâmbio entre os pares.

Köppen afirma que, quanto mais você segmentar uma certa especialização, mais precisará de uma equipe centralizada de especialistas para desenvolver esse conjunto de habilidades. Quanto maior a equipe, mais você pode ser flexível ao incorporar e centralizar – ou tentar as duas coisas ao mesmo tempo.

4. Melhore a estratégia e o mindset digital

Para um dos entrevistados, a chave para fazer uma equipe interdisciplinar é entender que o digital deve ser essencial para o veículo. “Até que ponto a empresa está mudando os valores do tradicional para o digital? O produto digital é pelo menos tão valorizado quanto o produto não digital?”. Se as respostas forem sim, o trabalho interdisciplinar e as pessoas com habilidades diferentes têm uma boa base. 

5. Trabalhe com uma linguagem comum

“Levamos meses para entender o que todo mundo fazia”, disse Shaul Amsterdamski, que liderou uma equipe de motion graphics. A capacidade de compreender as habilidades das outras pessoas e de traduzir sua própria linguagem para a delas é chave.

Nesse sentido, é preciso entender como as pessoas processam informações. Compartilhar significa não apenas falar sobre suas habilidades, fluxos de trabalho e experiência profissional, mas também entender como as pessoas processam as informações.

6. Gerencie suas habilidades 

Para esse tipo de colaboração, todos em uma equipe têm que compartilhar habilidades. Como você pode fazer isso? Já existem pessoas no jornalismo que se dizem jornalistas não-binários: jornalistas e designers interativos, por exemplos.

As equipes também podem construir estruturas para compartilhar conhecimento: codificadores que dão instruções no Github, redatores que ensinam métodos investigativos, designers e redatores que desenvolvem uma linguagem de design juntos.

7. Viva no modo beta

Trabalhe em versões, diz Köppen. Segundo ele, o fluxo ideal é: prototipagem, teste, revisão, repetição. Isso porque a maioria das equipes interdisciplinares vive em um ambiente de inovação que muda rapidamente. Mas ele admite que é difícil. 

O modo beta é útil para todas as partes do trabalho em equipe interdisciplinar: planos de projeto, hipótese de pesquisa, fluxos de trabalho, estrutura de equipe – e até mesmo a missão da equipe.

8. Desenvolva suas próprias ferramentas

Cada equipe é especial à sua maneira e funciona melhor para desenvolver seus próprios fluxos de trabalho e ferramentas. Para a comunicação da equipe, o Slack é a melhor maneira de impedir a enxurrada de e-mails.

Um espaço físico para a equipe pode ser um ativo. Os membros sentados perto um do outro tornam desnecessárias as reuniões adicionais. 

9. Envolva-se no desenvolvimento de novos nerds

Envolva-se no desenvolvimento de treinamento para a próxima geração de jornalistas. E integre pessoas que entendem a diversidade como uma necessidade nas redações. Segundo Köppen, a boa notícia é que, se você tiver sucesso, este é um grande diferencial para sua redação que atrairá talentos. 

10. Experimente e aprenda com seus fracassos

Köppen diz que essa afirmação é quase um clichê, mas muito verdadeira. Equipes interdisciplinares precisam de oportunidades para experimentar e uma administração que leve a sério o espaço para o fracasso.

Talento e diversidade nas redações

Além da interdisciplinaridade, a busca de talentos e a diversidade compõem estratégias presentes nas redações modernas. Este relatório do Reuters Institute investigou o que editores da Alemanha, Suécia e Reino Unido pensam sobre esses assuntos. Foram entrevistados 18 executivos e 10 acadêmicos desses países, além da aplicação de uma pesquisa online com 195 estudantes de jornalismo e um grupo focal com alguns desses estudantes.

O estudo foi conduzido por Alexandra Borchardt, Julia Lück, Sabine Kieslich, Tanjev Schultz e Felix Simon. Entre as principais descobertas estão:

  • A questão do talento é regularmente mencionada entre os três principais desafios enfrentados pelas redações. O desafio número um para executivos de notícias é gerenciar a mudança digital e ajustar os modelos de negócios de acordo com isso.
  • O jornalismo ainda é um emprego dos sonhos para um número considerável de jovens. Eles parecem ser particularmente idealistas. Mas muitos estão preocupados com empregos instáveis e salários baixos.
  • Aos olhos dos editores e professores de jornalismo, a nova geração de jornalistas é muito motivada, mais flexível e tecnologicamente mais experiente que as gerações anteriores. Ao mesmo tempo, jovens jornalistas parecem menos leais a uma empresa e mais interessados na liberdade individual.
  • A diversidade é um desafio importante e discutido em quase toda parte, mas com diferentes ênfases. De acordo com a pesquisa, as organizações de notícias estão procurando jovens jornalistas com uma perspectiva migrante / étnica / minoritária. 
  • Não parece ser um problema encontrar e contratar mulheres talentosas, pois mais mulheres estão migrando para a profissão. No entanto, a disparidade salarial entre homens e mulheres é mencionada frequentemente como o maior desafio.
  • Na radiodifusão, a pressão é sentida com mais urgência do que nas organizações orientadas por texto porque, no ar, a falta de diversidade é mais visível / audível. Este pode ser um dos motivos por que as emissoras públicas costumam estar na vanguarda dos esforços de diversidade.
  • Não é suficiente contratar candidatos diversos; é importante retê-los e desenvolver estruturas de apoio. 
  • Comparado com a urgência com que a diversidade parece ser discutida na indústria, surpreendentemente poucas organizações têm medidas para lidar com o problema.

A diversidade nas redações foi tema em muitas de nossas newsletters. Na NFJ #233, falamos sobre a criação de uma editoria de Diversidade na Folha de S. Paulo. Paula Cesarino Costa tem uma função horizontal, ou seja, trabalha junto a todas as editorias do jornal com o objetivo de prezar pela diversidade das fontes. Diversidade não só de gênero, mas etnia, religião, classe social, inclinação política entre outras questões. Seu foco é um produto final que reflita a variedade da vida social no Brasil. 

Na NFJ #211, indicamos este artigo de João Brizzi para o Intercept que, entre outras coisas, faz uma crítica à falta de diversidade nas redações jornalísticas. O jornalismo, segundo ele, é uma profissão de classe média. “Eu e quase todos os meus colegas, quando começamos, topamos ganhar menos de R$ 1.500 para trabalhar em jornadas exaustivas sob a justificativa de que a profissão é assim mesmo. Não é”, afirma.

Ainda sobre diversidade, vale a pena mencionar o relatório anual da BBC, empresa pública britânica. Parte dele se dedica à igualdade e fornece informações sobre o progresso que fazem em relação à igualdade, diversidade e inclusão para os profissionais.