Será que já podemos dar adeus aos cliques e pageviews como principais métricas dentro das redações? Ou eles ainda ocupam um lugar central nas decisões editoriais? É o que vamos discutir, nesta análise especial para nossos apoiadores.

Um dos sinais de que algo está mudando pra valer numa redação é quando se dá a esse algo o status de editoria. Na NFJ #242, contamos que o Bureau of Investigative Journalism, organização de jornalismo investigativo sem fins lucrativos, acaba de criar o cargo de Editor de Impacto. Neste texto, Miriam Wells explica que seu trabalho se concentra em como as histórias e repórteres interagem com os outros para estimular mudanças antes, durante e depois do processo de denúncia, e como essas interações podem ser mais produtivas.

“Construo relacionamentos com colaboradores e partes interessadas (stakeholders). Vou considerar como podemos reimaginar as relações que temos com nossas comunidades e a forma como contamos histórias, a fim de servir ao maior interesse público e sobreviver em um mundo em que velhos modelos de jornalismo estão morrendo”.

Perceberam a relação que ela faz do impacto com o modelo de negócio? Isso me chamou muita atenção pois, para além do lado romântico de “fazer diferença na vida das pessoas”, existe um imperativo de mudança que se relaciona com a própria sobrevivência do negócio.

Mas há ainda outras razões para essa virada qualitativa. Lá em 2010, este relatório do Tow Center (Universidade de Columbia) já apontava problemas com as métricas quantitativas. Lucas Graves e John Kelly afirmavam que “o que supostamente seria o meio mais mensurável da história é assaltado por um emaranhado assustador de padrões incompatíveis e resultados contraditórios”.

A “confusão online”, como eles mesmos chamam a abundância de informação sobre a audiência, começa com os resultados distintos de métricas feitas por empresas diferentes. Um dos casos citados pelos autores é o do The Daily Beast, cuja audiência medida pela empresa Nielsen NetRatings era de 1 milhão em outubro de 2009, mas a medição feita pelo software da comScore foi outra: 2,2 milhões de visitantes. E de acordo com as métricas do próprio servidor do jornal, a audiência era de aproximadamente 4 milhões. “A indústria não concorda nem com uma definição conceitual básica como a de ‘visitante único’”, diziam eles.

De 2010 para cá a situação só se agravou. Ao mesmo tempo em que veículos jornalísticos de todo o mundo utilizam cada vez mais os softwares de métricas para tomar decisões editoriais, questiona-se a veracidade desses números, principalmente quando eles vêm de plataformas terceiras.

Na NFJ #216 perguntamos: ainda podemos confiar nas métricas? Repercutimos a investigação de Max Read para a New York Magazine, que mostrou que grande parte das métricas na internet são falsas. Apesar de serem contáveis, rastreáveis e verificáveis (e sustentarem o negócio de publicidade digital), “nem mesmo o Facebook, a maior organização de coleta de dados do mundo, parece capaz de produzir números genuínos”, afirma Read. 

Segundo ele, nos últimos dois anos a empresa de Mark Zuckerberg admitiu reportar erroneamente o alcance de postagens em suas páginas, a taxa de espectadores que completam os vídeos e a quantidade de tráfego de referência para sites externos. E cita este vídeo estarrecedor de “fábricas de cliques” chinesas que promovem falso engajamento.

Ao comentar a reportagem, Aram Zucker-Scharff, diretor no Washington Post, acrescentou, numa longa thread cheia de exemplos: 

“Os números são todos falsos, as métricas são besteiras, as agências responsáveis por impor boas práticas sabem que há pessoas lucrando com esses números falsos e nenhum dos modelos faz sentido em escala de usuários humanos reais”.

Tenso, não?

Um outro estudo bem interessante do Reuters Institute, publicado este ano, mostrou que o número de cliques que uma notícia tem não é algo que reflete o valor de uma peça jornalística, nem é determinante na hora em que o leitor se interessa por ela. É a relevância que a notícia tem em suas vidas o motivo pelo qual os leitores escolhem por determinada matéria. “As pessoas acham mais relevantes as histórias que afetam suas vidas pessoais, pois afetam os membros de sua família, o local onde trabalham, suas atividades de lazer e sua comunidade local”, afirma Kim Schrøder.

Mas o que é impacto para o jornalismo?

Se vocês estão acompanhando o raciocínio até agora (espero que sim, não me abandonem!), estamos concluindo que as métricas quantitativas são problemáticas. Mas medir o impacto também não é algo simples, certo? É subjetivo demais. Vamos então pedir ajuda de novo para os pesquisadores.

Neste outro estudo do Tow Center de 2017, Fergus Pitt e Lindsay Green-Barber questionaram o que significa para uma organização jornalística colocar o impacto no centro de sua missão. Começam lembrando que gerar impacto não é algo novo no jornalismo, pois historicamente sempre esteve atrelado aos efeitos provocados na comunidade. No entanto, enquanto organizações de outras áreas têm objetivos claros relacionados ao impacto, as empresas de mídia têm missão e valores mais vagos, como contribuir com a sustentação da democracia e proteção do interesse público, o que acaba dificultando a mensuração. Uma das soluções propostas por eles é fazer com que o jornalista continue acompanhando a história após sua publicação, o que pode incluir as reações de públicos estratégicos, compilação de tráfego e métricas nas mídias sociais, atualização dos indicadores de impacto e divulgação desses resultados para a audiência.

Faz sentido, não?

Na NFJ #193, discutimos que o impacto do jornalismo envolve um relacionamento transparente com a audiência. Neste texto, Jennifer Brandel, CEO da Hearken (empresa que auxilia os veículos jornalísticos no engajamento do público), afirma que muitas vezes, quando se trata de envolver as comunidades, agimos como idiotas.

“Pedimos sua história, extraímos suas experiências e preocupações, e depois empacotamos e compartilhamos com o público para nosso próprio ganho financeiro. Nós não agradecemos, não perguntamos o que eles precisam, apenas pedimos o que precisamos deles”.

Brandel propõe uma saída ética para o engajamento, a partir do entendimento de que ela é especialmente importante quando normas ou práticas de determinado contexto estão mudando rapidamente. E sugere algumas práticas:

  • Para envolver as pessoas das comunidades (especialmente aquelas tradicionalmente carentes da mídia), precisamos estar presentes nelas.
  • Devemos usar ferramentas e estruturas de escuta para discernir as necessidades das comunidades antes de procurarmos envolvê-las.
  • Devemos perguntar como notícias e informações se encaixam em suas vidas.
  • Devemos ser transparentes sobre nossos interesses em engajar comunidades – por exemplo, se temos ou não fins lucrativos.
  • Devemos fornecer às comunidades informações que não estão prontamente disponíveis para elas, antes de pedirmos qualquer coisa para criar reciprocidade.
  • Sempre que possível, devemos deixar as comunidades participarem do processo editorial – desenvolvendo diferentes níveis de contribuição e edição para dar à comunidade propriedade sobre as histórias que eles contam.

Estamos falando, portanto, da construção de uma relação de confiança com a audiência. O professor Jay Rosen chega a propor uma otimização do jornalismo para a confiança, assunto sobre o qual ele começou a pensar a partir de uma provocação feita por Aron Pilhofer: como seria uma organização de notícias otimizada não por cliques, por furos ou por tempo de permanência no site, mas por confiança? Falei sobre isso neste texto que escrevi para o ObjETHOS. Segundo Rosen, há algumas formas:

  • Quando posso facilmente entender não só a notícia que li quando cliquei em seu site, mas a política de dados que comprei quando me tornei um assinante. Isso é otimização para a confiança. 
  • Quando sei que você vai reportar a denúncia e também a correção, quando houver. 
  • Quando posso adicionar meu conhecimento ao seu para fazer um produto melhor, ou seja, quando minha atenção não é captada, mas dada de forma espontânea. 
  • Quando transparência radical é combinada com diversidade genuína de modo a fazer algo melhor do que a objetividade na redação. 

Impacto na visão do Nexo Jornal e da Agência Pública

Na nossa série de entrevistas sobre inovação nas redações brasileiras, abordamos o tema das métricas. Paula Miraglia, do Nexo, e Natalia Viana, da Agência Pública, têm uma visão muito interessante dos indicadores que podem realmente mostrar a diferença do jornalismo que fazem. 

No Nexo, o endosso público é um indicador importante, ou seja, o fato de que as pessoas compartilham, divulgam, usam o material deles para debater ou endossam o jornal publicamente. Vejam outras métricas qualitativas que os auxiliam a entender o impacto do que fazem:

“Assim como o fato de que temos muitos professores usando o Nexo em sala de aula e dizendo isso para a gente. Desde que foi lançado, o material do Nexo foi usado nos principais vestibulares e no Enem, isso também é um indicador relevante. Nosso material é compartilhado por políticos de inclinações muito variadas, a gente gosta de acompanhar isso e vemos um pouco o impacto da nossa cobertura no debate. Um outro indicador é o tipo de parceria que a gente tem sido capaz de estabelecer, como com centros de pesquisas relevantes nas suas áreas. Por fim, o Nexo acabou de ganhar o selo do Trust Project e isso também foi um reconhecimento importante porque muitos atributos nós já tínhamos desde o começo, então fomos um dos primeiros a aderir ao projeto aqui no Brasil”.

A Agência Pública chega a separar métricas de repercussão de métricas de impacto:

“Repercussão é quando repercute na rede, em outras matérias. Impacto é quando há ações que são tomadas com base em nossos conteúdos, utilizando-os ou inspirando-se neles. Por exemplo, fizemos uma reportagem sobre o sumiço de abelhas, que repercutiu bastante. Conseguimos dados de associações de apicultores, contabilizando que meio bilhão de abelhas desapareceram em três meses desde o final do ano passado. Em Florianópolis, acabou de ser aprovada uma lei municipal que estabelece meios de proteção e conservação das abelhas nativas, e a lei cita a nossa reportagem como embasamento. Isso é um exemplo claro de impacto”.

Difícil esgotar esse assunto, mesmo em uma análise mais aprofundada, né? Quero terminar dando um nó na cabeça de vocês (e na minha também). Na NFJ #152 colocamos lado a lado duas opiniões opostas sobre métricas. Uma é a de Franklin Foer que, neste artigo publicado na The Atlantic, trouxe uma visão crítica – e até um pouco amargurada – das dificuldades que enfrentou quando era editor da revista americana The New Republic. Com o título “When Silicon Valley took over journalism” (“Quando o Vale do Silício tomou o lugar do jornalismo”), Foer argumenta que a busca por leitores digitais quebrou não só a The New Republic, mas toda uma indústria.

Mas a visão pessimista de Foer (ou realista, para alguns) foi duramente criticada por Chris Moran, editor de Projetos Estratégicos do The Guardian. No artigo “‘Raining clicks’: why we need better thinking on technology, data and journalism” (“‘Chuva de cliques’: por que precisamos pensar melhor sobre tecnologia, dados e jornalismo”), Moran rebate vários pontos da argumentação de Foer. Ele começa dizendo que passou os últimos anos trabalhando no uso de dados sobre a audiência em redações e nas ferramentas e cultura necessárias para fazer disso uma força para o bem. E afirma:

“Olhar para as visualizações de página não significa necessariamente que você só se importa com matérias que têm números em milhões. Isso também deveria levá-lo a perceber que, enquanto tópicos populares têm um potencial mais amplo de audiência (assim como eles sempre têm em qualquer meio), sua matéria long-form sobre o Turquemenistão foi lida em sua totalidade por 30 mil pessoas. Isso deveria levá-lo a detectar que você ainda nem promoveu adequadamente esse conteúdo e que ainda mais pessoas podem se engajar com algo com o qual você está incrivelmente orgulhoso. Imagine isso. Imagine um mundo em que olhar para as visualizações de páginas não apenas o leva a escrever sobre gatinhos e renegar completamente suas ambições e crenças editoriais. Imagine um mundo em que você use dados para colocar seu excelente jornalismo para um público mais amplo. Franklin Foer, aparentemente, nunca tentou”.

Viram que o debate é bom e que não há respostas prontas, né? Escreva pra gente se você quer continuar essa conversa. Vamos adorar saber as percepções de vocês.