Relatório do Tow Center, da Universidade de Columbia, mostra que o relacionamento entre plataformas de tecnologia e publishers está entrando em um novo momento. As organizações de notícia estão cada vez mais focadas em atender seus leitores regulares, e a tendência é trazê-los para os canais de propriedade dos veículos, ao invés do ‘social first”.

Plataformas e publishers: o fim de uma era” é o título contundente do novo relatório do Tow Center for Digital Journalism da Universidade de Columbia, que é parte de um estudo contínuo sobre a relação entre empresas de tecnologia e jornalismo.

A pesquisa, assinada por Nushin Rashidian, George Tsiveriotis e Pete Brown, sob coordenação de Emily Bell e Abigail Hartstone, é composta por entrevistas com representantes de 27 organizações de notícias dos Estados Unidos, feitas no início deste ano de 2019.

Os autores começam fazendo referência ao relatório publicado em 2018 – “Amigo e inimigo: a imprensa nas plataformas no coração do jornalismo” – para dizer que o relacionamento entre plataformas de tecnologia e publishers está entrando em um novo momento. E não só isso: os entrevistados chamam esse momento de o fim de uma era de plataforma.

“Essa era, definida pela crença de que a oferta de uma audiência massiva das plataformas levaria a uma receita significativa de publicidade para os veículos era, na verdade, uma ‘bolha’ e uma ‘distração’, disseram eles. Essa promessa provou ser uma falsa barganha. Para os publishers, “o jogo da escala acabou”.

Forte, não? Mas não dá pra discordar.

Essa postura acaba com o otimismo que os autores ainda observavam em 2018, quando os editores avaliavam que a parceria com plataformas em produtos e iniciativas baseadas em escala poderia ajudar a sustentar os negócios do jornalismo – apesar de anos cedendo seu conteúdo para essas plataformas sem retornos consistentes em seus investimentos.

Isso não significa que os veículos jornalísticos vão abrir mão das plataformas – segundo os autores, os publishers continuam confiando em uma variedade de produtos dessas empresas. Mas o espírito de colaboração que existia em 2018 não é mais o mesmo e eles expressaram maior desconfiança em relação às plataformas. E mais: hoje as prioridades estão mais concentradas no sucesso pós-era de escala, que exige recuperar o controle dos fluxos de receita e colocar os interesses do público acima das demandas da plataforma.

A tendência de trazer a audiência para os canais de propriedade das organizações de notícia, ao invés do conceito de ‘social first”, ganhou força em 2019.

“Muitos editores entrevistados se arrependeram abertamente de concentrar tantos esforços no conteúdo social, que dilui a marca na era da escala e subestima o público-alvo. Hoje, eles querem voltar a servir seus leitores mais fiéis. Da perspectiva dos negócios, isso significa diversificar os fluxos de receita para incluir, por exemplo, eventos e programas de membership”.

Vejam as principais conclusões do estudo:

  • A maior diferença entre as descobertas anteriores e as deste ano é que desapareceu qualquer esperança de que os produtos de plataforma baseados em escala ofereçam receita significativa ou consistente para os publishers.
  • A mudança de algoritmo do Facebook em 2018, que diminuiu a visibilidade das notícias no feed, confirmou um medo que antes era só teórico: o de que as plataformas pudessem ‘desligar os cliques da audiência’ quando bem entendessem. O desaparecimento do tráfego vindo das redes sociais forçou os publishers a focar numa audiência que alguns já pensavam ter conquistado. Em vez de perseguir cliques e compartilhamentos nas mídias sociais, eles priorizam hoje servir seus leitores mais fiéis. Os autores, no entanto, fazem uma ressalva: essa transição está se mostrando traiçoeira para os mais dependentes das receitas de publicidade.
  • Quando utilizam a palavra “diversificação”, os editores não se referem mais a estratégias de investir recursos em uma variedade de produtos de plataformas. Nesta rodada de entrevistas, os autores explicam que a diversificação é usada no contexto de extrair receita dos próprios canais dos veículos. Isso geralmente envolve receita vinda do leitor (membership ou assinatura) e novos produtos para gerar essa receita: newsletters, eventos, conteúdo patrocinado, links de afiliados e anúncios tradicionais.
  • Por conta dos anos de retornos decepcionantes sobre investimentos, muitos publishers descreveram não sentir mais “medo de perder” (“fear of missing out”) quando se trata de oportunidades com as plataformas. E vejam a mudança: ao invés de elaborar uma estratégia em torno dos produtos das plataformas e esperar obterem receita, os publishers hoje primeiro planejam a receita e, a partir daí, determinam quais produtos das plataformas podem ser um meio para esse fim.
  • Cada vez mais, a audiência conquistada influencia as decisões editoriais. Em vez de planejar histórias sobre o que tem melhor desempenho nas plataformas e medir o sucesso pelo tamanho da audiência, os publishers estão focados em atender seus leitores regulares, que tendem a se tornar uma fonte de receita. Novamente os autores ponderam: veículos que dependem mais das receitas de anúncios têm maior probabilidade de continuar priorizando os cliques e, portanto, perseguindo o que é tendência nas plataformas.
  • À medida que mais organizações de notícias se voltam para contribuições diretas da audiência, os editores falam repetidamente sobre produtos de plataformas, não como geradores de receita, mas como veículos de marketing para capturar leitores no topo do funil de engajamento, com o objetivo de eventualmente convertê-los em leitores pagantes.
  • Uma estratégia focada em conversão requer pensar nos dados e métricas de uma nova maneira, definindo diferentes parâmetros de referência e buscando informações mais detalhadas. A recuperação do controle da audiência requer também uma maior segmentação, capaz de converter leitores casuais em assinantes.
  • Percebendo a oportunidade de inserção nesse processo de funil, as plataformas foram rápidas em lançar novos produtos: ‘Assine com o Google’ e uma versão paga do Instant Articles do Facebook são exemplos disso. Isso vai demandar novas decisões editoriais e maior ou menor dependência das plataformas. No Brasil, os veículos já estão aderindo à assinatura facilitada pelo Google.
  • O crescente escrutínio público dos efeitos das grandes plataformas na sociedade e na democracia levou a novas considerações éticas para os publishers. Alguns deles questionam se levar o público às plataformas os torna cúmplices de um ecossistema prejudicial de informações.

Plataformas como clientes

Os autores destacam que essa nova fase parece apresentar um equilíbrio maior de forças. Um exemplo é a mudança do Facebook do antigo Instant Articles – que exigia que o conteúdo do veículo estivesse dentro do feed de notícias e cujo potencial de receita era baseado em anúncios – para as notícias da News Tab, que são apresentadas em uma seção dedicada, com curadoria de editores humanos e auxiliados por um algoritmo. Os publishers podem escolher se os usuários lerão histórias inteiras ou se serão redirecionados para uma visualização em seus próprios sites. Independentemente dessa escolha, alguns veículos serão pagos pela participação.

Perceberam a mudança, né? Os autores afirmam que os pagamentos variam, mas até agora há relatos de que atingem até sete dígitos. Os veículos participantes vão do Chicago Tribune ao The Atlantic e Fox News, e incluem até o New York Times, que rapidamente abandonou o Instant Articles em 2017, mas descreveu a News Tab como uma ‘trégua’.

“Além disso, Google e Facebook iniciaram investimentos que, segundo eles, totalizarão US$ 300 milhões nos próximos três anos em iniciativas de notícias, particularmente aquelas destinadas a doações e treinamentos para redações locais. No caso do Google, a empresa fez o que era praticamente inimaginável quando nossa pesquisa começou: financiar diretamente a criação de novas redações locais”.

Outra conclusão importante a que o estudo chega: essa mudança estratégica de produtos de notícias para iniciativas de notícias torna essas plataformas mais clientes do que parceiros do jornalismo. Os autores avaliam que, independentemente dos rótulos, o que permanece constante é a disputa de poder. 

Mais sobre plataformas e jornalismo

  • O primeiro estudo do Tow Center sobre a temática – “A imprensa nas plataformas: como o Vale do Silício reestruturouo o jornalismo” – é de 2017. Falamos sobre ele em quatro edições da NFJ: #132, #133, #134 e #135 . Além disso, ele foi traduzido para o português.