Trata-se de uma metodologia criada por Sarah Marshall, chefe de crescimento de audiência da Vogue Global Network, com base no Lean Canvas e em alguns outros métodos de pesquisa. O objetivo da ferramenta é relevante: entender melhor o público-alvo e que tipos de conteúdos informativos são mais importantes.
Vocês já devem ter ouvido falar do Lean Canvas, né? É uma metodologia para criar e gerir modelos de negócio. E se aplicássemos essa estrutura à estratégia editorial e de negócios de uma organização de notícias?
Foi isso que fez Sarah Marshall, chefe de crescimento de audiência da Vogue Global Network, em um workshop ministrado na Newsrewired no fim de novembro. Ela chamou o modelo adaptado para jornalistas de “canvas de audiência” (“audience canvas”). Segundo explicou Jacob Granger neste texto para o Journalism.co.uk, a ferramenta pode ser usada para entender melhor o público-alvo e que tipos de conteúdos informativos são mais importantes. Assim, os veículos podem planejar como e quando entregar a melhor informação ou produto a seus leitores para aumentar a confiança e lealdade.
O audience canvas é dividido em cinco partes, que vou detalhar abaixo a partir do texto de Granger:
1. Quem é o seu leitor?
Primeiro, o veículo traça o perfil de um leitor imaginado, a partir de um conjunto de suposições ou do uso de entrevistas qualitativas para entender hobbies e hábitos de mídia da audiência. No workshop, os participantes receberam a foto de uma pessoa e, por meio dela, criaram uma persona. Granger relata o exemplo que seu grupo criou:
“Nomeamos nossa persona Lana, uma fanática por moda de 25 anos do leste de Londres. Como ela estava segurando o que parecia ser um iPhone, também assumimos que ela era uma especialista em mídia social. Ela provavelmente era uma usuária do Instagram, ou talvez até postasse no YouTube. Ela pode estar interessada em artes como fotografia ou música. Ela também pode lidar muito bem com o Adobe Photoshop. Seu comportamento era, de alguma forma, profissional, como se ela fosse muito focada na carreira e orientada a objetivos”.
2. Que conteúdo importa a eles?
Para Lana, ficar a par das novas tendências da moda é importante e ela provavelmente está sempre procurando uma nova inspiração. Pensando nos objetivos de carreira, ela também quer saber sobre conselhos profissionais e maneiras de aumentar sua presença nas mídias sociais. E se assumirmos que ela está interessada na indústria da música, ela se importaria com uma lista de eventos locais?
Segundo Sarah Marshall, o veículo jornalístico deve nomear três tipos de conteúdo que seriam importantes para seus leitores do dia a dia.
3. Onde o conteúdo encontra o lifestyle
Granger prossegue com o exemplo e propõe pensar nas três demandas de Lana: inspirações de estilo, conselhos de carreira e eventos mais recentes. Com que frequência ela procurará esse conteúdo com base no que deduzimos sobre ela? Diariamente, semanalmente ou mensalmente?
Nesta seção do canvas, é importante saber com que frequência a audiência vai procurar o conteúdo que agora você sabe que ela quer.
4. Um dia na vida do seu leitor
Em seguida, os jornalistas foram convidados a se colocar no lugar de seus leitores e mapear suas ações de manhã até a noite. Como é o estilo de vida no dia-a-dia?
Novamente o exemplo da persona Lana:
Para Lana, sua escolha de tênis brancos revela algo atlético nela? Se sim, ela faz uma corrida matinal ou pratica ioga? Trabalhamos com o pressuposto de que ela é freelancer na indústria da mídia, talvez em design gráfico ou fotografia. Sua semana é bem cheia, mas ela não trabalha em horário comercial. Ela trabalha em casa e passa a manhã envolvida em vários projetos, faz ligações e verifica e-mails. Lana viaja muito. Ela gosta de sair à noite e aproveitar os eventos locais de Londres.
No workshop, Sarah Marshall instigou os jornalistas: “você já parou para pensar no seu público e na vida que ele leva? Se você fizer algumas suposições (ou conseguir respostas mais precisas falando com eles), será possível conhecer quem você está tentando atender e onde se encaixa na vida deles”.
5. Quais dispositivos e plataformas eles usam?
A tecnologia é fundamental para o consumo de notícias, portanto, os jornalistas precisam entender quais plataformas físicas e digitais seus leitores estão acostumados a usar – não há sentido em exibir conteúdo em uma plataforma que eles não usam, pois você não será lido. O que eles usam diariamente?
“Lana é claramente usuária de smartphones – ela estava segurando uma na foto. Assumimos que o Instagram é um destino frequente. Ela usa o iPhone regularmente para fazer ligações para trabalhar e possui vários aplicativos para diversos fins. Ela tem uma conta no Facebook para se conectar com amigos e uma conta no LinkedIn para conexões profissionais. Ela também tem alguns aplicativos de edição para mídias sociais. Para o trabalho, ela provavelmente precisa de um laptop e pensamos em um Macbook. Ela conhece muitos produtos da Adobe”.
Nesta última fase, é preciso entender que tecnologia você acha que sua audiência usa diariamente e onde estão os pontos de acesso em que seu veículo pode se esforçar para aparecer.
Aplicação na estratégia editorial: momentos de notícia e plataformas
A partir do entendimento do perfil, compromissos, interesses, hábitos e conhecimento técnico do leitor, o veículo vai aplicar essas informações a um conjunto de estratégias editoriais para planejar a melhor maneira de atender a essas necessidades.
Uma outra tabela deve ser preenchida (veja abaixo um exemplo):
- Momentos de notícias
Trata-se do momento específico que o público aloca para o consumo de notícias. Sarah Marshall conta que essa ideia surgiu do Digital News Report 2019 a partir da classificação de Nic Newman: momentos dedicados (compreensão menos frequente e mais profunda), momentos de atualização (necessidade mais regular), momentos de preenchimento de tempo (atividade de navegação enquanto faz outra coisa), interceptados (interrompidos a qualquer momento e em qualquer lugar).
Marshall adicionou à tabela as necessidades dos leitores mapeadas pela BBC: inspirar-me, educar-me, divertir-me, atualizar-me e dar-me uma perspectiva. Os jornalistas devem, então, pensar de que maneira as diferentes editorias (cultura, política, economia etc) correspondem a essas oportunidades para momentos de notícias.
- Plataformas
É preciso lembrar das plataformas com as quais seu leitor está familiarizado para então criar canais de distribuição que fazem sentido para a editoria no momento em que o leitor consumiria aquele conteúdo – e para qual finalidade.
Ou seja: o efeito combinado é saber o que o leitor deseja ler e por quê, criando estratégias para oferecer isso de uma maneira que seja acessível às necessidades de seu estilo de vida e aplicável às suas habilidades técnicas.
Voltemos ao exemplo:
Para Lana, que quer inspiração de moda – exatamente o ‘inspire-me’ – criamos uma vertical de moda para seus trajetos. Ela provavelmente estará folheando o Instagram em seu iPhone e nossa ideia é preencher esse momento de navegação com uma inspiração de que ela se lembrará.
Já para o conteúdo voltado à carreira, ela provavelmente não se esforça muito para obtê-lo. É provável que ela tenha uma assinatura de newsletter para isso. Quando ela está verificando seus e-mails em sua rotina diária, algo chama sua atenção. A ideia do grupo de Granger é fazer com que ela salve este artigo para os momentos dedicados em que ela quer se informar.
- Ideias de histórias personalizadas
Por fim, como os veículos podem criar histórias específicas que se encaixam nesses cenários? ‘Como estilizar seu guarda-roupa’ no Instagram Stories ou ‘Dez dicas para aumentar sua base de inscritos no YouTube’ em uma newsletter podem ser boas ideias. Granger explica:
“Se Lana está apenas olhando o Instagram e se depara com essas histórias, é muito mais provável que você tenha conseguido uma primeira impressão forte e a coloque no caminho de se tornar uma leitora fiel. Se ela já se inscreveu na sua newsletter, fornecer esse fluxo constante de conteúdo relevante também manterá sua lealdade a longo prazo”.
Todo o trabalho feito no workshop durou 45 minutos, tempo em que é possível pensar em um roteiro para um rápido crescimento da audiência.