Esta semana preparamos um especial sobre paywall, a partir de alguns movimentos interessantes que temos observado no mercado jornalístico. Falamos também sobre inovações em veículos jornalísticos que não utilizam o modelo.

Modelo de rentabilização mais utilizado no jornalismo brasileiro e em diversas partes do mundo, paywall é o “muro de pagamento” que limita o acesso às notícias. No caso do paywall rígido, todo o conteúdo do site é bloqueado para não assinantes (um exemplo é o Financial Times). Já o paywall poroso, adotado pela maioria dos veículos, permite acesso a um determinado número de notícias e convida o leitor a fazer uma assinatura após atingido o limite.

Do pioneiro New York Times – que adotou o paywall em 2011 e se tornou um case de sucesso mundial – até hoje, temos visto algumas inovações na utilização do modelo, cujo foco é trazer novos assinantes para o veículo jornalístico. 

No início deste mês, a Folha de S. Paulo lançou o “link-presente”, que permite que o assinante libere a seus contatos até cinco acessos por dia ao conteúdo publicado pelo jornal. Vale lembrar que a Folha foi o primeiro veículo brasileiro a utilizar o paywall, em 2012, e que eles oferecem assinatura digital grátis por um ano para professores da rede pública de todo o país.

O Nexo Jornal, que desde sua fundação, em 2015, aposta no paywall e não tem anunciantes, lançou este ano um programa de assinaturas gratuitas para cursinhos populares, no qual os assinantes patrocinam o acesso ao Nexo para estudantes e professores. Além disso, para cada assinatura financiada por um apoiador, o Nexo oferece mais uma a outro aluno, de modo a permitir acesso ao conteúdo do jornal e à ferramenta NexoEDU (falamos sobre isso na NFJ #246 e na entrevista que fizemos com a CEO Paula Miraglia).

Esta matéria do Digiday conta que, após um planejamento de dois anos, a Fortune vai lançar um novo paywall em janeiro de 2020. No primeiro nível de assinatura (US$ 49,99 por ano ou US$ 5 por mês), o leitor tem livre acesso ao conteúdo digital. O segundo nível (US$ 11 por mês) também inclui a revista impressa, além de guias de investimentos trimestrais e pré-visualizações das franquias da lista da Fortune. E o nível mais alto, de US$ 199 por ano ou US$ 22 por mês, adiciona acesso à seção premium de um novo hub de vídeo, com entrevistas exclusivas com executivos, ideias de negócios, além de uma newsletter semanal e uma série de teleconferências mensais organizadas pelo CEO Alan Murray ou por repórteres com conhecimentos específicos no assunto.

E não só veículos jornalísticos têm feito experimentações. A Heated, newsletter especializada em mudanças climáticas e escrita por Emily Atkin, oferece 10 assinaturas para quem não pode pagar a cada 100 assinantes conquistados. Muito interessante, né? Quem deu a dica foi o jornalista Pedro Burgos.

Falando em newsletter, vale lembrar o modelo de assinaturas do Canal Meio, que dá acesso gratuito à news diária e oferece na assinatura premium (paga) benefícios como uma edição especial aos sábados, acesso à ferramenta de curadoria e recebimento das edições diárias mais cedo. Na NFJ #230 informamos, a partir de uma palestra do fundador Pedro Doria, que hoje o Meio já se sustenta com os assinantes pagos e publicidade. Conta com 80 mil assinantes não-pagantes, dos quais 40% abre todos os dias e 80% abre pelo menos uma vez por semana.

Paywall x acesso livre à informação

As iniciativas de paywalls mais flexíveis são muito bem-vindas, principalmente em um cenário de crescente desinformação – basta lembrar que as fake news não têm paywall. Ao divulgar o relatório anual do Reuters Institute sobre Tendências e Previsões de Jornalismo, Mídia e Tecnologia para 2019, falamos na NFJ #217 sobre uma das conclusões da pesquisa, que dialoga com esta preocupação:

“A ascensão de paywalls está afastando as pessoas de notícias de qualidade e tornando a internet mais difícil de navegar. Haverá crescente irritação do leitor, levando a uma combinação de mais evasão de notícias e adoção de softwares de bloqueio de paywall”.

Em 2018, no meio de uma eleição inundada de informações falsas, compartilhamos na NFJ #204 uma reportagem da revista Exame, que mencionou o paywall como um entrave ao acesso às informações de qualidade.

“Com fotos e vídeos falsos, esta é a eleição do vale-tudo no WhatsApp. Em contrapartida, temos o baixo impacto da propaganda eleitoral na TV, a diminuição do alcance de conteúdo jornalístico no Facebook e a utilização de paywall por parte da imensa maioria dos sites de notícia. O resultado dessa equação não poderia ser outro senão um ecossistema informativo caótico”.

Uma tentativa de amenizar esse problema é abrir o paywall em momentos específicos, decisão editorial adotada por diversos veículos pelo mundo. Na NFJ #207, falamos sobre a decisão do Nexo de desligar seu paywall nos dias que antecederam o segundo turno das eleições de 2018. E lá na NFJ #153, em 2017, mencionamos que o New York Times abriu o paywall para cobertura do furacão Harvey.

No entanto, há críticas a essa medida. Na NFJ #193 compartilhamos um artigo de Rob Howard na Quartz, para quem “paywalls são sólidos – até que cheguem as grandes notícias”. Vejam o argumento dele:

“O paywall está intrinsecamente em conflito com o principal objetivo do jornalismo: educar e informar o público sobre questões importantes. Quando os jornais dizem: ‘isso é tão importante que estamos fazendo isso de graça’, eles estão dizendo que todas as outras coisas que eles publicam não importam, então eles cobrarão por isso. É difícil imaginar uma filosofia de negócios que seja mais confusa”.

A codiretora da Agência Pública, Natalia Viana, tem uma visão muito parecida. Em entrevista ao Farol Jornalismo, ela explicou por que não acredita no paywall:

“Eu acho que o jornalismo de qualidade é um bem para a sociedade. Quanto mais gente recebê-lo, melhor. É como o serviço de saúde, você não vai impedir que as pessoas tenham acesso a ele”.

As inovações de quem não utiliza paywall

Para Richard Gingras, vice-presidente de Notícias do Google, é preciso pensar em modelos de assinaturas ou memberships no qual os leitores veem valor em apoiar o papel que o jornalismo tem nas comunidades (falamos sobre isso na NFJ #186) . Citando veículos como New York Times, MediaPart, De Correspondent, Texas Tribune e Guardian, Gingras explica esse novo cenário:

“O foco em assinaturas e associações está causando uma mudança saudável em como as organizações de notícias se relacionam com as comunidades que servem. Os sites de notícias estão aprendendo que a proposta de valor para suas comunidades é menos sobre acesso, no sentido de um paywall difícil, e mais sobre os cidadãos que entendem e apoiam o papel que uma organização de notícias desempenha em suas comunidades locais. É menos sobre a venda de acesso privilegiado ao conteúdo e mais sobre o ‘pagamento adiantado’ do apoio à missão e os valores que uma organização de notícias oferece à sua comunidade”.

Nesse sentido, há veículos que apostam em modelos de assinatura sem paywall, mas com apoio financeiro dos leitores. Um dos casos de maior sucesso é o do Guardian, que alcançou a marca de 1 milhão de assinantes e rentabiliza mais com as contribuições dos leitores do que com anunciantes. E isso sem paywall, ou seja, com conteúdo aberto para todos.

Pelas iniciativas recentes do Guardian, dá para perceber que eles estão preocupados com o que Richard Gingras aponta: fazer com que os assinantes percebam valor no serviço que apoiam. Exemplo disso é o aplicativo exclusivo para assinantes, lançado em outubro e livre de anúncios. O app é uma maneira nova de empacotar o conteúdo, com simplicidade e rolagem horizontal como principais atrativos. Nesta matéria, eles explicam que pesquisas mostraram que o leitor do Guardian se sentem sobrecarregados com o fluxo constante de notícias e têm dificuldade para saber o que é mais importante. Isso os levou a pensar em novas formas de empacotar o conteúdo.

No Brasil, Agência Pública e Intercept têm tido retorno com seus modelos de assinatura sem paywall. Hoje, a Pública arrecada pouco mais de R$ 20.000 mensais com seu Programa de Aliados e o Intercept, R$ 268.459 por mês. Vale lembrar que os apoiadores do Intercept aumentaram muito após a #VazaJato, o que ratifica o argumento de David Pemsel, CEO do Guardian (vejam a NFJ #203). Para ele, há uma relação direta entre a publicação de grandes reportagens e o aumento nas contribuições financeiras por parte dos leitores.

Com seus prós e contras, o paywall tem sido fonte fundamental de receita para um negócio jornalístico em crise. Explorar novas opções e flexibilizar o acesso para mais leitores parece ser um ótimo caminho.