No início de abril, a cidade de Perugia, na Itália, recebeu a edição 2019 do International Journalism Festival. Há 14 anos, profissionais e acadêmicos se reúnem em um evento que discute diversos temas relacionados à área – e com entrada gratuita. No site do IJF há um material super rico, que inclui vídeos das centenas de palestras e palestrantes.
Diante dessa enorme quantidade de conteúdo (foram mais de 400 palestrantes e 300 painéis em cinco dias), fica quase impossível fazer um resumo do que rolou por lá. Mas recorri a textos de pessoas que estiveram no festival para trazer os principais destaques. Vamos lá?
Desinformação e influência das plataformas
Segundo Mathew Ingram, estes foram os temas que dominaram as discussões em Perugia. Neste texto para a Columbia Journalism Review, ele conta que houve mais conversas sobre Brexit do que sobre Trump – não surpreendentemente, já que o evento foi na Europa. Com relação ao presidente norte-americano, houve discussões sobre como ele ajudou a influenciar ditadores como Viktor Orban, na Hungria; Recep Erdogan, na Turquia – onde mais de 150 jornalistas estão presos – e Rodrigo Duterte, nas Filipinas. A jornalista independente Maria Ressa, presa pelo governo de Duterte pela quarta vez, falou sobre desinformação, abordando como o ecossistema informativo e os novos gatekeepers enfraqueceram as democracias em todo o mundo. Em pouco mais de um ano, o governo registrou onze processos judiciais contra a startup Rappler, da qual ela é cofundadora (na NFJ #199 falamos sobre isso).
Outro tópico popular de conversas foi a influência de gigantes da tecnologia, como Google e Facebook, na indústria da mídia e no jornalismo. Ingram conta que representantes das plataformas participaram de algumas discussões, como em um painel do professor de jornalismo da CUNY, Jeff Jarvis, intitulado “Criticar o Facebook? Certo. Sair? Por quê?”. Jesper Doub, ex-jornalista do Der Spiegel e agora diretor de News Partnerships do Facebook, disse que se importa profundamente com o jornalismo de qualidade e que quer ajudar as redações a descobrir como usar melhor a plataforma. Mas Ingram percebeu que “muitos dos presentes pareciam céticos em relação à sinceridade do gigante das redes sociais. ‘Eu confio no Facebook tanto quanto eu poderia descartá-lo’, disse um jornalista no painel de Jarvis”. Tal ceticismo fez surgir algumas críticas sobre o fato de que tanto o Google quanto o Facebook eram patrocinadores proeminentes do festival, como já acontece há três anos.
Deepfakes e habilidades de verificação
Este texto do blog de inovação do Deutsche Welle faz um compilado de indicações de painéis sobre fake news, verificação e os chamados deepfakes (tecnologia que usa inteligência artificial para criar vídeos falsos). No painel “Além das fake news: o que vem por aí para lidar com a desinformação online”, o jornalista James Ball afirmou que não precisamos nos preocupar (ainda) com os deepfakes. Em outro painel, Hazel Baker, da Reuters, disse o mesmo e explicou como os vídeos falsos podem ser criados e identificados. Ela mostrou ainda onde estão localizados os deepfakes na escala da desinformação, apresentou uma detalhada análise de ameaças, concluindo que eles podem até ser assustadores, mas não a principal preocupação no momento.
Para quem quer saber sobre ferramentas para detectar desinformação e como usá-las, a indicação é o painel de Tom Trewinnard (Meedan) e Mark Boas (Bad Idea Factory): “O kit de ferramentas de verificação de vídeo: o jornalista como trabalhador de dados”. E a sessão Quiztime, comandada por Julia Bayer e Tilman Wagner (ambos do DW Innovation), testou habilidades de verificação dos presentes com uma série de questionários de geolocalização. O Quiztime é uma conta do Twitter muito interessante, com testes diários que instigam a colaboração e auxiliam no combate à desinformação de forma descontraída.
O negócio das notícias: o que todo jornalista deveria saber
O professor Aron Pilhofer, moderador deste painel, compartilhou suas próprias anotações, que dão uma boa ideia das falas de Janine Gibson (Financial Times), Amanda Michel (The Guardian) e Jeff Jarvis (CUNY School of Journalism).
Janine Gibson
- Você precisa aprender a apresentar sua ideia de maneira convincente Isso pode significar aprender a fazer um orçamento, obter ajuda para estimar a receita etc. Saiba como. Isso ajudará.
- Não veja a equipe comercial como algo que acontece em outro andar, fora do seu universo. Muitas vezes, eles saberão mais sobre as pessoas que servimos do que nós. E não precisa ser um relacionamento contraditório. Quando o comercial chega até você para pedir algo, tente ignorar as somas de dinheiro em jogo. É o princípio que importa, seja $ 1 ou $ 1 milhão.
Amanda Michel
- Curto x longo prazo: a redação opera em escalas de tempo curtas. No lado dos negócios, é mais trimestre a trimestre, ano a ano (ou mais).
- Quando você está trabalhando com o lado dos negócios, você tem que entender o quanto é orientado por métricas. Tudo está ligado a elas.
- Assim como a redação precisa acompanhar as mudanças na tecnologia, o mesmo acontece com o lado comercial. Quando você está focado em metas trimestrais, é difícil fazer isso. Uma vez por mês, convide alguém interessante para falar sobre novas tendências – e chame toda a organização.
- Trabalhos interfuncionais: se você puder criar colaborações contínuas, isso criará confiança, resultará em ideias muito melhores, em mais criatividade e abertura para tentar coisas novas. Comece pequeno.
Jeff Jarvis
- Entenda o ecossistema (e a concorrência): realidade de trabalhar com o Google / Facebook; como eles mudaram o mercado de publicidade (e, não, eles não roubaram “nossos” anúncios).
- Eu tive que aprender o negócio do jornalismo. Sem isso somos maus administradores. Eu precisava ser capaz de proteger o que fazemos.
- Existe um custo de receita. Existe um custo para adquirir um assinante. Falamos muito sobre receitas, mas não sobre custos. Entenda o custo de vendas.
Ainda sobre negócios: o que vem por aí?
O professor Rasmus Nielsen também publicou os destaques do painel que moderou no IJF, do qual participaram Ritu Kapur (Quintillion Media), Rosan Smits (De Correspondent) e Tom Standage (The Economist). Segundo ele, jornalistas precisam fazer parte do desenvolvimento de futuros modelos de financiamento para serem independentes e capazes de trabalhar (“você sentirá falta de nós quando não estivermos mais aqui” não é um modelo de negócios). Vejam os pontos principais elencados por Nielsen:
- Historicamente, o negócio das notícias baseava-se em produtos agregados, baixa escolha do consumidor e alto poder de mercado dos publishers sobre os anunciantes. Mas este modelo está em declínio estrutural por décadas, e em declínio acelerado por conta da mudança para o domínio digital e das plataformas.
- Hoje, temos a alta escolha do consumidor e o baixo poder de mercado dos publishers sobre os anunciantes, o que resulta em receitas menores, margens menores e cortes de empregos. O desafio básico é semelhante para os publishers digitais e tradicionais: como criar valor no mercado competitivo?
- Uma minoria considerável de pessoas pagará, mas na maioria dos casos por uma assinatura e apenas pelo que eles consideram ser um jornalismo realmente notável.
- Desafios de negócios são importantes demais para serem deixados apenas para o lado comercial. Jornalistas precisam fazer parte da conversa ou terão que viver com as consequências das decisões tomadas por outras pessoas que tenham outras prioridades.
Em outro post no Twitter, Rasmus Nielsen destacou três conclusões de tudo o que viu no IJF:
- Uma guerra contra o jornalismo está sendo travada por pessoas poderosas.
- Os negócios continuam desafiadores, mas há oportunidades (e trabalho árduo) à frente.
- Ninguém vai nos salvar, mas há esperança na colaboração, partilha e solidariedade.
Ufa, muita coisa, né? Para entender melhor cada painel resumido aqui, super recomendo assistir aos vídeos. A ideia foi instigar vocês e apresentar um pouquinho do que foi esse mega evento. Ano que vem quero muito estar lá 🙂