A Revista Ícone, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, acaba de lançar o dossiê “Novos Jornalismos Digitais”. Conforme explica a professora Carolina Dantas (UFPE), editora do número, o título nasceu de uma reflexão oferecida pelos próprios textos. “Que jornalismo é esse que se descortina a partir do digital? A partir de uma nova relação com o público?”.

O que a revista chama de “novos jornalismos” – e também os artigos que falam sobre “jornalismo de bolso” e “jornalismo selfie” – me fizeram lembrar este texto da Marilia Gehrke, doutoranda da UFRGS. A partir da inquietação de que nós estamos dando ao jornalismo muitos nomes, ela apresenta um estudo coordenado pela professora Wiebke Loosen, do instituto austríaco Hans-Bredow. Os pesquisadores começaram a coletar os nomes em 2010 e a ideia foi revivida no ano passado. Até agora, encontraram 130 termos (!).

Gehrke pondera que há tantos nomes para o jornalismo por conta da complexidade e dinâmica do campo. “Parece que as transformações estão ficando mais rápidas e específicas – e os termos são uma maneira de registrar isso”, diz. Concordo com ela, embora me incomode a quantidade de termos até para determinar o mesmo tipo de jornalismo (como jornalismo de dados, guiado por dados, RAC, precisão…). É claro que os termos contam também a história evolutiva desses conceitos, mas será que precisamos nomeá-los de ‘jornalismo de + alguma coisa’? Em última instância não estamos falando de jornalismo? Muitas vezes temos que investir um espaço grande em nossos artigos só para explicar cada um dos termos e suas diferenças, enquanto poderíamos aproveitar melhor o estado da arte.

Isso dá uma boa discussão, né? Pois bem, selecionei o seguinte artigo do dossiê da Ícone para comentar mais detidamente: “Fact-checking e a circulação da notícia política: o discurso sobre o fim da Cracolândia”, de Daniela Borcezi e Carlos Willians Jaques Morais, pesquisadores da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

O objeto empírico do estudo é o vídeo publicado pelo então prefeito de São Paulo João Dória sobre o fim da Cracolândia via Facebook em 2017. Segundo os autores, “o vídeo caracteriza um tipo de relação que o governo vem estabelecendo com a imprensa nos últimos anos, o de evitar contato com a sociedade por meio da mediação jornalística”. Isso soa tão familiar que parece ter virado um método, vide a atuação do presidente Bolsonaro nas redes sociais, com suas lives no Facebook e seus tuítes, certo?. Borcezi e Morais associam o fenômeno à midiatização, que faz surgir novas formas de interação entre instâncias de produção e recepção.

Os autores então elegem a checagem do vídeo feita pela Agência Pública para observar o fact-checking a partir de estratégias enunciativas. O argumento dos autores é interessante: ao mesmo tempo em que as fronteiras entre produtor e receptor tendem a se diluir, há novas instâncias que buscam restabelecer essa relação. “As iniciativas de fact-checking ressignificam o conteúdo das publicações das redes sociais e fortalecem a estrutura de mediação discursiva ao crivo do campo jornalístico”. Para eles, portanto, o trabalho das agências de fact-checking é também uma busca por legitimidade do jornalismo. Vale destacar que a checagem provocou tensões, como a retratação da assessoria de imprensa da Prefeitura de São Paulo sobre algumas das declarações do prefeito.

Borcezi e Morais também chamam atenção para a rede de republicadores de conteúdo de fact-checking, que potencializa a circulação do discurso midiático e a sua infiltração em outras práticas discursivas. Isso faz com que a circulação de conteúdos em diferentes plataformas mobilize a participação colaborativa do leitor, que atribui novos significados ao conteúdo. Citando Braga (2012), os autores chamam isso de contrafluxo, “no qual os receptores produzem outros discursos, decorrente da variedade de processos, meios e produtos articuláveis ao circuito”. Eles concluem afirmando que uma explicação epistêmica do jornalismo pode ser observada pela influência desses novos processos de circulação da notícia.

Artigo: Fact-checking e a circulação da notícia política: o discurso sobre o fim da Cracolândia (Borcezi e Morais, 2019)

Objetivo: Identificar o processo de circulação das checagens de informações das agências de fact-checking e as tensões provocadas na produção jornalística.Conceitos centrais: Midiatização – Fausto Neto (2009; 2012), Carvalho e Lage (2012); Contrafluxo – Braga (2012).