Na terceira análise da série, trazemos estudos brasileiros que tentam desvendar o comportamento de adolescentes e jovens, especialmente nos meios digitais.

Dando continuidade à nossa série sobre jornalismo e audiência jovem (veja o primeiro e o segundo textos), hoje vamos analisar algumas pesquisas brasileiras sobre o tema. São artigos científicos que tentam compreender como veículos podem alcançar a “geração impossível”, como descreveu esta matéria.

Qual é a relação entre dados demográficos, hábitos de consumo e percepções dos jovens, num ambiente marcado pela proliferação de conteúdos e dispositivos midiáticos? É o que quis identificar esta pesquisa de Carla Felix, Larissa Mendes e Helen Fontes, da Universidade Federal Fluminense. As autoras analisaram os hábitos de 100 jovens entre 18 e 23 anos, de dois grupos distintos: alunos do curso de Comunicação Social-Jornalismo, da Universidade Federal Fluminense, e estudantes do Pré-Universitário Popular. Elas também procuraram avaliar o que os jovens consideram notícia atualmente, que critérios de confiabilidade das fontes estabelecem e de que maneira isso molda seu consumo.

Para tal, as autoras aplicaram um questionário online com 47 perguntas. Embora lidando com o ambiente digital, os jovens ouvidos na UFF afirmaram preferir o acesso às notícias sob a forma de texto (89,4%), embora apareça um grande interesse no acesso via fotografia (59,1%), vídeos (47%) e infografia (33,3%). A multimídia, linguagem nativa da rede, apareceu em quinto lugar, com 27,3% das preferências. Quizzes, jogos e outros formatos totalizaram 7,5%. Interessante é que, mesmo entre os jovens de menor escolaridade e renda predomina a predileção pelo formato textual, embora apareça um interesse maior pelos formatos audiovisuais. 

“O fato é que, apesar de afirmarem a predileção pelo texto, não há uma tradução desse gosto no consumo de jornais. A leitura dos impressos em si está mais ligada à formação acadêmica e ao letramento do público, como se observa a partir dos dados.Os  jovens estudantes de jornalismo não apenas afirmam ter um contato frequente com os jornais – independentemente do suporte –, mas também se dizem familiarizados com a leitura de livros, estes predominantemente impressos”. 

Na leitura de jornais, a diferença entre os dois grupos pesquisados é ainda maior. Apenas 6,1% dos pré-vestibulandos leem jornais todos os dias, contra 25% no grupo dos estudantes de jornalismo. Já no grupo com menor escolaridade, destacaram-se o percentual daqueles que dizem nunca ler jornal: 53,1%. Quando perguntados sobre que tipo de fonte de informação consideram mais confiável, para a maior parte dos universitários a resposta é o jornal (45%). Já para o outro grupo, o jornal é citado em apenas 2% das respostas.

A pesquisa também mostrou que as redes sociais são quase sempre a porta de entrada a partir da qual os jovens ingressam no universo noticioso. As redes sociais aparecem como fonte de notícias em 69,4% das respostas, empatadas com os portais de notícias. Em seguida, vêm os sites de jornais (61,2%), sites de revistas (28,6%) e sites de TV (24,5%).

“Os dados, portanto, confirmam a importância estratégica das redes para os veículos de comunicação e portais on-line. Ao mesmo tempo, revelam o poder simbólico dos grandes grupos midiáticos na produção de conteúdo noticioso”.

O telefone celular é apontado como dispositivo para acesso a notícias mais importante pelos jovens entrevistados: 87,9% do primeiro grupo e 79,6% do segundo. No entanto, para as autoras, a predileção pelo celular não significa uma escolha pela mobilidade, já que, em 75,7% das respostas dos universitários, a casa é apontada como o lugar a partir do qual os jovens consomem notícias.

Veja a seguir os principais highlights da pesquisa:

  • O acesso à internet figura como uma prioridade para jovens estudantes de diferentes camadas sociais, ao menos num centro urbano como Niterói. Não há um único entrevistado que não use a internet, sendo o telefone o canal mais disponível e também o mais utilizado, muito à frente dos demais.
  • Entre os locais preferidos, a casa aparece como opção de 77,3% dos graduandos e de 87,8% dos vestibulandos.Possivelmente pela preocupação com segurança, associada ao fato de que muitos dependem de redes de wi-fi para estabelecer conexão, o acesso da rua é bem inferior, principalmente para o grupo de estudantes do pré-vestibular. 
  • Os dados mostram que, apesar de o acesso às notícias ocorrer inicialmente através das redes sociais, os jovens não as enxergam como canal confiável e, por isso, não compartilham as informações diretamente, ou, se compartilham, o fazem depois de irem aos sites originais da informação.
  • Há uma intensa exposição ao noticiário. Através de várias plataformas e dispositivos, os jovens acessam, espontânea ou casualmente, um universo de notícias muito maior que o das gerações anteriores.

Consumo de notícias por jovens do Brasil e de Portugal

O estudo de Juliana Doretto, fruto de sua tese de doutorado na USP, investiga o consumo de notícias generalistas por adolescentes e crianças mais velhas brasileiras e portuguesas, com acesso a tecnologias digitais, em perspectiva comparada. 

O artigo de Doretto começa com o trecho de um depoimento muito interessante de uma das entrevistadas:

“Tem um canal no YouTube sobre famosos e tal. Acho que vocês não conhecem. Até legal vocês pesquisarem [dirigindo-se às colegas participantes da discussão], que se chama Ok Ok2. Eles postam várias notícias e falam sobre o que “tá” acontecendo, na Internet, principalmente, não fora disso […] E também tem algumas notícias. Por exemplo, eu acho legal tutoriais que a pessoa ensina a fazer algumas coisas”.

Doretto conta que a entrevistada é uma menina brasileira de 11 anos. Estudante de uma escola particular de São Paulo, tem acesso a telefone celular e Internet. Em uma conversa em grupo, com mais duas meninas, colegas de colégio, da mesma idade, ela conta que um “tutorial” em formato de vídeo, postado em um canal da plataforma YouTube, de autoria não indicada, é para ela uma “notícia”. Ela não relata o mesmo entusiasmo com nenhuma outra forma de consumo de material jornalístico tradicional, para além do que vê na web: “Os jornais na TV são mais para adultos”.

Doretto entrevistou, em conversas individuais ou em grupo, 50 crianças de nove a 16 anos de idade em ambos os países, de classes média ou média alta. Todos os entrevistados deveriam ter acesso às tecnologias digitais (Internet, celular ou tablet) – daí o recorte socioeconômico –, ainda que seu uso pudesse apresentar diferentes intensidades (de acordo com seu poder aquisitivo ou com as formas de mediação de pais, educadores e responsáveis).

Nos discursos dos entrevistados, o “feed de notícias” ou a timeline do Facebook, do Twitter ou do Instagram aparece como um dos elementos estruturadores da alimentação noticiosa diária, principalmente entre os adolescentes, no caso português. No Brasil, a influência das redes sociais já aparece com força nas entrevistas com crianças de 11 anos. 

O trabalho de Doretto mostra quão complexo é o conceito de notícia para os jovens. Segundo mostrou sua pesquisa, é o ineditismo, em relação à percepção de mundo desses jovens, que faz o texto ou o vídeo ser considerado como algo da esfera do “jornalismo”, e não o reconhecimento de que aquela fonte é jornalística (na verdade, muitas vezes, o jovem leitor nem sabe dizer qual é a origem da informação).

Outro dado interessante é que a informação continua a ser recente e circulante, mas não obrigatoriamente construída pelo campo jornalístico tradicional, ainda que as qualidades associadas ao jornalismo possam estar presentes: a noção de notícia como algo crível se mantém. 

“O consumo informativo desses jovens continua a ser estruturado com base na rotina noticiosa das famílias, que se centram sobretudo na TV, mas eles também entendem que uma informação pode receber o nome de notícia, ainda que não tenha sido o jornalismo a batizá-la como tal. Nesse caso, nota-se também uma associação clara das crianças e jovens do jornalismo com empresas noticiosas tradicionais nos dois países e uma dificuldade em definir fontes somente online como jornalísticas ou não.”

Seguem mais alguns destaques do estudo:

  • As referências à notícia como algo que vai além da esfera tradicional do jornalismo aconteceram quando os jovens falavam sobre seu acompanhamento de redes sociais e de aplicativos para celular e tablet, o que leva a discussões mais profundas sobre esse tipo de agregador de conteúdo. 
  • Essas plataformas provocam, em primeiro lugar, alterações na forma de consumir produtos jornalísticos elaborados por empresas tradicionais de mídia, já que se esvai nessas novas formas de divulgação a hierarquia noticiosa estruturada por editores em homepages – que envolve, sobretudo, critérios de definição de relevância do tema para o público leitor. Além disso, esses intermediários digitais têm cada vez mais espaço na “dieta” informativa da sociedade de vários países, em detrimento dos sites originais dos veículos de comunicação, oferecendo ao público informações vindas de fontes cujos produtores não são identificados (e que muitas vezes emulam a estrutura textual jornalística; caso das “fake news”).
  • Isso pode ser um obstáculo à pluralidade informativa, dado que os algoritmos usados por redes sociais, por exemplo, tendem a concentrar o conteúdo oferecido ao usuário de acordo com suas prévias visitas a outros perfis da mesma plataforma ou a consultas de páginas da Web. 
  • Segundo Doretto, é necessário que os produtos jornalísticos sejam mais transparentes no processo de construção do discurso noticioso, o que envolve, por exemplo, deixar mais claras as etapas de apuração e revelar aquilo que não foi possível comprovar. Isso pode ajudar os leitores (não apenas as crianças) a compreenderem melhor os critérios que auxiliam na comprovação da veracidade de um fato transformado em notícia, principalmente no ambiente digital. 
  • Esse cenário auxiliaria ainda os jovens leitores que demonstram interesse pelas notícias (o que se deve sobretudo à mediação familiar), mas que ainda assim demonstram resistência ao trabalho da imprensa. Informar as crianças e jovens que começam a acompanhar as notícias sobre os elementos basilares do jornalismo pode auxiliá-los a ter mais autonomia e segurança para navegar no caldo espesso de informações que circula pela Internet.

Falando a linguagem do adolescente para atrair audiência

A pesquisa de Fernando Oliveira, da Universidade Federal da Paraíba, identificou que jornalistas que atuam em programas de televisão, sites da Internet, jornais impressos e, principalmente, revistas voltados para o público adolescente estão se apropriando da gíria, conseguindo interagir e promover uma identificação maior com o seu público-alvo. Segundo ele,  esta prática tem provocado uma mudança nos moldes tradicionais do fazer jornalístico, privilegiando uma produção planejada, quase direcionada das notícias, atendendo, também, aos interesses comerciais das empresas, que conseguem angariar mais leitores.

Esse ponto de vista da linguagem é bastante original e traz descobertas interessantes. Segundo Oliveira, enquanto para muitos pais ou professores o uso de gírias por seus filhos e alunos representa falta de conhecimento linguístico, para os jornalistas que trabalham em veículos específicos voltados especificamente para o público adolescente, é uma preciosa ferramenta de atração.

“Vê-se que, mais do que um equívoco como defendem os puristas do jornalismo tradicional, a apropriação da linguagem adolescente pelos meios de comunicação é um acerto. A forma como os jovens falam é a expressão maior de seus sentimentos, demonstrando um pouco sobre sua vida social, namoro e família e, na medida em que o jornalista consegue reproduzir esta realidade através do que escreve, comunica-se melhor com o seu leitor, deixando o seu texto mais interativo”.

Oliveira analisou edições da revista Atrevidinha, feita por jornalistas para adolescentes. Ele afirma que, embora revistas como essa sejam editadas e escritas por jornalistas que tentar apreender ao máximo o modo de falar dos jovens, reproduzindo-o em seus textos, ela ainda segue preceitos do jornalismo tradicional, especialmente no que se refere ao critério de escolha das pautas e às técnicas de entrevista e pesquisa jornalística. “Mesmo do ponto de vista da linguagem, é possível perceber a coerência jornalística necessária para um texto de revista, acontecendo apenas uma adaptação à forma de apresentação das notas, matérias e reportagens publicadas”, conclui.